quarta-feira, 8 de junho de 2022

Turno da meia-noite







23:49 ligo o computador e entro no túnel,

binário, operário onde estão outros trabalhadores,

as coisas avariadas são o sangue  deste ofício,

tudo é urgente até à morte do primeiro segundo.   


4 horas volvidas, 2 cafés, mãos invisíveis seguram a cabeça,

a casa de banho é uma cabine telefónica em plena avenida,

atendo o telefone como se vendesses farturas, tento resolver,

os circuitos do homem e o homem e os seus circuitos.


desligo o controlador de rede às 08:04,

de olhos vermelhos e boca seca, arrasto os dedos,

tudo parece longe, até a memória de uma cama,

desfeita de lã de vidro e aço a pairar numa outra lua.


ignição corporal, mastigo pão. procuro calar o sol,

ingiro drogas coloridas em embalo de alcofa,

imolado num cartuxo de sono químico,

do qual só espero um tiro na têmpora - rápido!


15:45 acordo com o corpo esmagado pela gravidade,

é dia, os bichos medram  mais do que a fome,

um prato branco reclama uma refeição ainda sem nome,

na televisão homenzinhos brincam entre enganos e guerras.


enceno actos atabalhoado, existências alternadas, ereções amansadas, 

contactos de raspão, sem tempo para amar, quanto mais para saudar,

in vitro,  os outros vivem contra o muro desta ausência,

enquanto eu corro dentro de uma roda imparável, qual ratinho sem destino,


23:51 ligo o cérebro ao computador e sei  que o meu nome não é "password".

quando este turno acabar prometo escrever a palavra passe no areal do teu corpo.


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