No prédio da D.ª Rosa
outrora as novidades eram muitas,
ao desafio, no parapeito da janela,
teciam-se histórias fantásticas.
era a gata paraquedista da bonita enfermeira,
ou o lunático que observava os pássaros à janela,
até os policias reformados de humores variáveis
tinham a sua graça de bigode musculado.
este ano o prédio ocupou o espaço dos corpos,
vagaram vozes e esmoreceram-se gestos,
as casas moldam-se ao vazio e as portas suspiram de luto,
já não há roupa colorida a secar nos estendais.
o percurso do sol deixou marcas,
sacrificou o mármore com veios negros,
agora faltam passos pela escada acima,
sonegados pela sombra maldita desta pandemia.
hoje, no prédio, a maior novidade
é a subtracção do canto dos vivos,
este ano partiram 5 vizinhos e sabe-se lá quantos mais iram;
e já não é a D.ª Rosa e o seu querido marido que o dizem:
"bom tarde vizinho!
o correio anda atrasado, já não chega para as encomendas"