quarta-feira, 24 de novembro de 2021

O prédio da D.ª Rosa

 



No prédio da D.ª Rosa

outrora as novidades eram muitas,

ao desafio, no parapeito da janela,

teciam-se histórias fantásticas.


era a gata paraquedista da bonita enfermeira,

ou o lunático que observava os pássaros à janela,

até os policias reformados de humores variáveis

tinham a sua graça de bigode musculado.


este ano o prédio ocupou o espaço dos corpos,

vagaram vozes e esmoreceram-se gestos,

as casas moldam-se ao vazio e as portas suspiram de luto,

já não há roupa colorida a secar nos estendais.


o percurso do sol deixou marcas,

sacrificou o mármore com veios negros,

agora faltam passos pela escada acima,

sonegados pela sombra maldita desta pandemia.


hoje, no prédio, a maior novidade

é a subtracção do canto dos vivos,

este ano partiram 5 vizinhos e sabe-se lá quantos mais iram;

e já não é a D.ª Rosa e o seu querido marido que o dizem:


"bom tarde vizinho!

o correio anda atrasado, já não chega para as encomendas"


M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...