meu doce pai de sorriso fácil,
arrasta os
pés em direção ao café,
rumo de
um relógio certo,
de nada vale,
os ralhetes por causa do covid ou da febre,
ele apenas
teme que os 84 anos lhe imobilizem as pernas
e não lhe
deixem beber uma bica de manhã uma cerveja à tarde
no seu cantinho e pela volta dos pinheiros,
passo a passo, para depois amparar o descanso dos prédios,
com o vagar
que só árvores fortes sabem apreciar,
e com isto, lá vai ele de chapéu posto, agarrado à rotina,
enquanto nós
engodamos a vida com mais uns comprimidos.
minha querida
mãe,
em
intervalos de sete luas visita as urgências hospitalares,
hoje a lua
está cheia de preocupações, agonias, palpitações.
custa-me
vê-la a desaparecer nos corredores do hospital,
sem poder
fazer nada,
depois do
segurança me impedir de passar a linha amarela,
deixei-a ir como uma sombra outonal delicada
a seguir uma
linha imaginária indicada pela enfermeira,
para aguardar numa sala pejada de suspiros impacientes.
como filho, vê-los
assim, arrancam-me o coração pelo boca,
tenho
saudades do tempo em que nos julgávamos eternos,
em que tudo
era solúvel em nuvens de papel vegetal,
agora
sinto-me inconsequente em espasmos verbais,
solitárias
implosões de antidepressivos,
sem engenho
para moldar-me à melodia do amanhã,
em menino, lembro-me
da facilidade com que fazia castelos de plasticina,
naquela
altura era mais fácil sonhar.
contudo, depois
de esperar 6 horas nas urgências pela minha mãe,
um rasto de
esperança aquece-me as mãos;
enquanto o
sensor de movimento das portas do hospital impõe o seu ritmo.