domingo, 28 de fevereiro de 2021

Prisão domiciliária





A  prisão domiciliária é interrompida...

pelas idas ao caixote do lixo, às farmácias, ao supermercado,

e aos testes do bicho dos aerossóis:

de quando em vez lá saímos,

como astronautas na nossa própria cápsula. 


No exterior, evitamos falar com quem quer que seja,

serve o aceno à distância para esvaziar o vazio da saudação,

seguramente estimamos o mínimo de 2 metros mal medidos: 

fazemos parte integrante do sonambulismo que nos estimula,

numa marcha carnavalesca para uma fila de qualquer coisa.


Já nos esquecemos de como é admirar um rosto incógnito imperfeitamente belo.


Os pássaros pousam nas antenas, 

os cães conduzem donos balofos de fato de treino amarrotado,

enquanto eu combato o embaciamento do vidro da janela com o nariz.

assisto a um gato a levar pela boca uma máscara usada.

não estranho a noite ser um dia em branco.


Lá fora, no exterior, as máscaras abandonadas

animam-se com o vento solitário.

As folhas mortas não se queixam da pandemia,

e perguntam às tapa-ventas cirúrgicas se querem dançar

desconjuntadamente. 


Afocinho em teletrabalho no meio de dois monitores assimétricos 

O meu pai abre a porta do quarto e pergunta-me:

- Quantos morreram hoje?

está entusiasmado por ter testado negativo ao covid 19,

não esquecer que venceu a zaragatoa sem se queixar,

e por isso exibe o seus 84 anos como troféu destemido,

o meu pai está zangado com este longo inverno

e com os amuos prolongados de um sol qualquer.



M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...