A prisão domiciliária é interrompida...
pelas idas ao caixote do lixo, às farmácias, ao supermercado,
e aos testes do bicho dos aerossóis:
de quando em vez lá saímos,
como astronautas na nossa própria cápsula.
No exterior, evitamos falar com quem quer que seja,
serve o aceno à distância para esvaziar o vazio da saudação,
seguramente estimamos o mínimo de 2 metros mal medidos:
fazemos parte integrante do sonambulismo que nos estimula,
numa marcha carnavalesca para uma fila de qualquer coisa.
Já nos esquecemos de como é admirar um rosto incógnito imperfeitamente belo.
Os pássaros pousam nas antenas,
os cães conduzem donos balofos de fato de treino amarrotado,
enquanto eu combato o embaciamento do vidro da janela com o nariz.
assisto a um gato a levar pela boca uma máscara usada.
não estranho a noite ser um dia em branco.
Lá fora, no exterior, as máscaras abandonadas
animam-se com o vento solitário.
As folhas mortas não se queixam da pandemia,
e perguntam às tapa-ventas cirúrgicas se querem dançar
desconjuntadamente.
Afocinho em teletrabalho no meio de dois monitores assimétricos
O meu pai abre a porta do quarto e pergunta-me:
- Quantos morreram hoje?
está entusiasmado por ter testado negativo ao covid 19,
não esquecer que venceu a zaragatoa sem se queixar,
e por isso exibe o seus 84 anos como troféu destemido,
o meu pai está zangado com este longo inverno
e com os amuos prolongados de um sol qualquer.