Em Junho deste ano, quando
estava a gravar a entrevista para a reportagem da Sic sobre o Parque Florestal de Monsanto, perguntaram-se
se já tinha visto por ali alguma raposa: Respondi que nunca
tivera esse privilégio.
Eram perto das 10 horas da manhã quando terminámos as
gravações. Como ainda era cedo decidi aproveitar o tempo para
fotografar, por isso regressei ao campo onde há sempre algo de novo por descobrir. Ladeado por sobreiros e
pinheiros que filtravam a pouca luz que chegava ao solo, desci
calmamente em direcção ao meu abrigo. Alguns metros volvidos um
coelho em fuga atravessou-se à minha frente. Por sua vez, um melro fugiu em alarme acompanhado por outros passeriformes. Seguiu-se um barulho
rápido de mato remexido. Pensei que fosse outro coelho mas a vegetação
densa não me permitiu confirmar. Todavia o restolhar indicava movimentos de um animal na minha direcção. Do meu lado direito, a vegetação era remexida e deixava antever indícios de um bicho de porte médio com pêlo castanho. Por entre a folhagem assomou-se um animal improvável; de focinho pontiagudo e cheio de curiosidade - uma raposa espreitou.
Fiquei sem reacção. Durante alguns segundos
os nossos olhos encontraram-se num ponto tão distante quanto comum. Não queria acreditar - à minha frente estava
uma jovem raposa, com a língua de fora e com um olhar meigo
que pacientemente tirava medidas às minhas eventuais intenções.
Devagar, tentei não denunciar o gesto, apontei a máquina
fotográfica e foi nesse instante que aconteceu algo imprevisto num dia por si só tão cheio de surpresas.
Após tirar quatro fotografias, do meu lado esquerdo aproximou-se
outra raposa, ligeiramente maior e aparentemente mais velha. Talvez
movida pelo instinto de protecção controlou-me com o olhar e depois assomou-se
da outra. Não as queria perder por isso não tive coragem de voltar a apontar a máquina aos
animais. Naquele instante formámos três vértices
de um triângulo de espanto enquanto esperámos a reacção do
próximo. O tempo não foi tempo, apenas intervalo de respiração e memória. As
raposas fitaram-me uma última vez para depois desaparecerem no mato fechado. Naquele instante senti-me como se estivesse a mais naquele quadro onde as palavras eram meros adereços circunstanciais. Já tinha fotografado raposas em vários pontos do país, porém nunca tinha
fotografado uma raposa cosmopolita no centro de Lisboa.
Muito mais do que uma simples fotografia, este momento serve como registo documental que comprova a existência deste extraordinário canídeo na capital.
A erosão do tempo impõe limites à memória, contudo há instantes que não se apagam – o momento em que fomos um único olhar.
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