quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Um lar que nunca é o nosso

 




Sempre julguei ser capaz de defender-te

de palavras como lar, casa de repouso,

residence sénior, nome pomposo,

por outro sítio, além do nosso cantinho.


por mais que tente ser ferro também me vergo

a uma solidão pintada nos olhos das paredes, 

uma fralda suja à espera da dignidade nocturna,

ou uma colher que tem que ser guiada até à boca.


a tua força guerreira é um novo planeta

que orbita o meu olhar das seis da tarde,

a memória salta como a agulha de um disco vinil,

repete em lenta rotação: a nossa casinha!


pedes-me para te levar nas falhas dos meus dedos,

ah que noite sem beijo, estamos tão perto da modéstia, 

que o nosso pequeno ninho…

só existe quando nele caímos. 




sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Do quarto 602

 



Peço uma senha de visita,

um risco vermelho pinta o bilhete,

tenho autorização para entrar,

o elevador sobe até ao 6º piso,

 

no ascensor engulo todas as lágrimas

aqui não há espelhos apenas olhares caídos,

respiro fundo e regurgito um sorriso novo,

Mãe estás à janela, virada para o infinito.

 

choras quando me vês entrar,

começo com palhaçadas para te animar,

falo rápido, descasco o fruto das saudades,

abraço-te como se fosse a nossa casa a chamar,   

 

Do quarto 602 os médicos dizem cousas loucas,

não quero ouvir, nem as quero mastigar!

amanhã, estou contigo, nova viagem!

o elevador desce vazio.


domingo, 1 de outubro de 2023

Máquina de lavar a alma

 




Os meus e os teus olhos parados,

dentro deles encontramos histórias,

postais de instantes cúmplices,

rotinas e desafios da nossa unidade.

 

A tua tez macia pede os meus dedos,

conto-te como a vida se derrete lá fora,

mordo todas as lágrimas que te querem ver,

e levo-te à boca mais uma colher com sopa,

 

Tu dizes: vai à tua vida! Eu desafio-te: até amanhã!

repito: amanhã depois do trabalho, venho cá!

porque não sei por a máquina de lavar a alma a trabalhar.

e penso: também não sei ser filho sem ti.


porque a máquina de lavar a alma

não tem garantia, manual de instruções, 

nem reparação, não penses comprar outra!

os seus ciclos alimentam-se de nós.





M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...