sexta-feira, 30 de julho de 2021

Luz e melancolia




tenho que me pintar de melancolia,

para acalmar este raro impto matinal,

pois se ambiciono escrever uma linha de poesia,

bem humorado estou, tenho que me por mal!


solidão solidária, goela abaixo, venha de lá a tristeza,

sorumbático, amarfanhado de deprimido parecer, 

mais uns comprimidos aos quais só posso agradecer,

pois adormecem-me a mão de coerente incerteza.


se escrevo amargurado e nesta opaca figura,

alegre fico pela droga de doce candura,

ao amar um poema-fêmea que nunca comecei.




sábado, 3 de julho de 2021

Leitura: Coração Duplo de Marcel Schwob


Coração Duplo por Sérgio Guerreiro


A 31 de Maio - Quis o destino que acabasse a leitura destes contos num banco do Hospital de Cascais, numa consulta de urgência com a minha mãe. O nosso coração também habita noutros corações. A minha mãe saiu melhor dessa consulta e com a medicação reformulada. Os nossos olhos também descansam em outras mãos. Fomos para casa mais calmos, sabendo que por agora, algo poderia melhor. Haja esperança. O coração da minha mãe é maior que a caixa que o sustenta e isso é um problema com que temos que viver. Um coração duplo. Este livro estava lido mas não fechado.

Os 33 contos que completam o Coração Duplo de Marcel Schwob viajam pelos campos fantásticos da ficção-científica, do terror gótico, da guerra do amor sangrento, da amizade desfeita, com os estilhaços brutais das decisões dos seus intervenientes. Os danos colaterais da eterna batalha entre o bem e o mal dos actos tomados. Os estilhaços de vidro que se cravam na cara amplificadando um erro e recordando-o com uma cicatriz que brilha de dor. As areias movediças em que entramos cientes que nos vão enrolar, mas que também nos levarão a atravessar, ou não, para outra margem. O livre-arbítrio e o erro evidenciam a nossa condição de ser humano, como pecador e como benfeitor, capaz do melhor e do pior. Eu sei que tudo isto parece um lugar comum, contudo a realidade é uma ilha estranha.  

Deste excelente livro destaco os seguintes contos:


- A Máscara

- Um Esqueleto

- Terror Futuro

- Arrasa Corações

- O Hospital

- O Comboio 081

- Um Homem Duplo

- A Tamanca

- Flor de Cinco Pedras


No meio de uma pandemia que parece não querer dar tréguas nem sinais de abrandar, infelizmente deixei a leitura para trás. Nos tempos em que ia para o trabalho de transportes públicos, era sagrada aquela hora onde entrava no corpo de um livro, nem que fosse para me esconder da multidão. Em casa não sinto necessidade de me esconder, e quiçá distraído pelos ecrãs,  viajo pelas tecnologias e com isso leio menos. Mas é bom ter noção de que me falta tanto ler. E que há tantos livros que nunca me vão  passar pelos olhos, tivesse eu marcada para breve uma viagem à volta ao mundo de comboio, fechado numa cabina com uma chaise longue em veludo, rodeado por uma biblioteca, e a história seria outra ou talvez não. 


Próximas leituras:  A Peste de Albert Camus




M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...