sexta-feira, 15 de março de 2024

Não era preciso tanto



Não era preciso tanto sofrimento,

tamanha dor ou insondável medo,

para acreditar em Deus,

e nos seus caminhos indecifráveis.


veredas inscritas nos olhos vagos,

desta flor guerreira de raízes celestes

maior que uma galáxia Mãe,

anichada nesta cama de hospital.


minha Mãe, aguardo pela hora da visita, 

espero que Alguém me explique

onde fica o céu e quantos degraus

temos que claudicar e engolir em seco.


com esta senha na mão.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Impulsividade de relojoeiro


Na goela irrompe a fúria deste vulcão portátil,

a lava é o sangue ferruginoso que queima a garganta,

na boca, uma arma com canos serrados tem o gatilho pronto,

a qualquer momento faço explodir o espelho da paciência,


já está! solto a ira numa cega saraivada de disparates,

não sobra palavra, livro ou perdão depois desta vaga,

digo o que quero e o que não ouso imaginar,

rubro, enraivecido, espezinho, enxovalho quem ousar!


Mas depois vem a queda.

engulo o vidro cinzelado do arrependimento,

assumo a culpa arrancando com os dentes as crostas dos muros,

a calma só volta com o silêncio da pedra.


o resto, fica no terço e na paz com que as igrejas desertas

enxaguam os olhos fechados.


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Chapim-carvoeiro em teletrabalho



A tarde de ontem chegava ao fim, contudo, o dia de teletrabalho obrigava-me a mergulhar os neurónios no monitor para tentar perceber o que nem sempre é óbvio. Virtudes do cansaço. Era melhor fazer uma pausa antes que desse asneira o que tentava bulir com esforço inglório. Assumei-me da janela, um minuto foi suficiente para sentir a liberdade das árvores, a bofetada do vento, o corrupio do chapim-carvoeiro e de todos outros bichos que nunca viram um relógio, nem entendem o significado do tempo não voltar para trás.

A forma como a ave subiu os ramos fez-me sentir inveja da sua coragem e batimento cardíaco. Voltei para a lógica do monitor, menos binario, menos máquina avariada, até que fosse meia noite num lugar qualquer.

domingo, 11 de fevereiro de 2024

A pedra azul







As pedras das chacras respiram em cima da mesa de cabeceira,

enquanto a imunoterapia é inoculada na tua mão,

no hospital, há olhos de esperança que já foram rios de lágrimas,

ao mesmo tempo, o respirar da doença faz estremecer paredes já sem sombra.


nos cadeirões os pacientes aguardam que o químico ocupe o corpo,

amanse o mal, abra portas, prolongue a hora para além a rua do mundo;

não te posso fazer companhia,  por isso viajo para a sala de espera,

onde aguardar não dá tempo que o pó dos anjos contorne a nossa fé.


quando acabou o tratamento fui buscar-te,

tiraram-te o cateter e marcaram no teu cartão a próxima visita, 

peguei-te na mão, porém, amanhaste o caminho sozinha,

antes de sair, desejei as melhoras aos ocupantes das máquinas salvadoras.


na ambulância de doentes não urgentes lembrei-me de uma senhora 

de lenço na cabeça que estava num cadeirão ao teu lado,

tinha um olhar fixo entre o céu primaveril e o azul marinho,

olhos tão frios quanto perdidamente belos. a senhora ficou lá... 


em casa, as pedras aguardavam um toque para se animarem.





sábado, 10 de fevereiro de 2024

Tempestade Karlotta



Hoje de manhã, depois da trégua da chuva e do vento, os pequenos bichos tentavam alimentar-se enquanto o tempo assim o permitia. O meu dia de trabalho tinha terminado às 08:00, contudo, não resisti a registar desde a janela da cozinha, os movimentos acrobáticos da estóica trepadeira, que fez frente à uma qualquer tempestade Karlotta, com um bater de asas das suas impressionantes e pesadíssimas 12 gramas. Depois retomei o pequeno-almoço e deitei-me a pensar nos grandes feitos anónimos daqueles que respiram mais um dia.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

do meu país


aos tombos e desnorteado assim vai Portugal

espantalho louco que rompe o colete de forças

e esburga-se com mestria num palco enlameado

de um  hospício transformado em tribunal de bordel.


escandaleira ministerial com dinheiro escondido em gabinete

primeiro ministro demissionário em vudu com o presidente,

trabalho escravo no Alentejo aos olhos de fascismo crescente

temo que a franja desta loucura seja o pão que me engorda.



Resoluções



tento não ser nada, 

enrolado numa manta alentejana,

no conforto que se segue a uma vertigem,

espero ser engolido pelo silêncio dourado.


à minha frente o animal doméstico 

esgravata as paredes húmidas

sem que ninguém o alimente 

a televisão é ignorada por guerras vítreas .


imóvel, na esperança que os males

descamem ao sol deste aguçado espinheiro 

espreguiço o dia a dia em retalhos de pele seca,

cada erro maior que outro... Que belo amanhã!


arde, arde pauzinho de incenso, leva-me contigo!


Não era preciso tanto

Não era preciso tanto sofrimento, tamanha dor ou insondável medo, para acreditar em Deus, e nos seus caminhos indecifráveis. veredas inscrit...