quinta-feira, 18 de julho de 2019

A dança do abutre-preto

O abutre-negro (Aegypius monachus) é a maior ave de rapina da Europa e infelizmente está "criticamente em perigo" no nosso território. Actualmente, estima-se que existam pouco mais de duas dezenas de casais, estando os mesmos confinados ao Baixo-Alentejo e algumas zonas especificas do Tejo e Douro Internacional. Contudo, nestes últimos anos, existe um aumento gradual de indivíduos desta espécie proveniente de Espanha, beneficiando de medidas de conservação e sensibilização sempre bem-vindas, para que não se esqueça a importância desta ave necrófaga. 

Fomos até Villanueva del Fresno visitar o nosso amigo Alfonso para assim tentarmos a nossa sorte num abrigo especialmente concebido para observar aves de rapina. Pelas 07:00 da manhã entrámos no abrigo fotográfico da Naturalqueva e entregámo-nos a um jogo de espera e paciência, intervalado por alguns falsos alarmes e dores de barriga. Às primeiras horas da manhã apareceram várias dezenas de milhafres (Aegypius monachus) e duas cegonhas (Ciconia ciconia), algo que nos entreteve durante algum tempo, incentivando a pratica de fotografia em voo ou em modo de retrato. Depois, já a tarde se anunciava longa e quente, surgiu um bando de grifos e no meio deles os tão desejados abutres-pretos. Eram dois e como apareceram assim desapareceram numa timidez assustadora, talvez motivada pela névoa de pó levantada pelos refilões grifos. Os dois abutres-pretos, independentemente dos seus 3 metros de envergadura, eram mais recatados e temerários. Por sua vez, os grifos eram em maior número e acabaram por fomentar a debandada geral num alvoroço digno de registo. 

Passados alguns instantes, estava eu a com a objectiva 24-70 mm a fazer uns grandes planos dos milhafres, quando ao lado de uma árvore surgiu um abutre-preto que controlava a movimentação na clareira. Este abutre-preto assemelhava-se a um dançarino introvertido que temia pela sua entrada na pista de dança. Por seu turno, os milhafres continuaram a impor o ritmo da tarde e o abutre não se aproximou daquele circulo fechado de asas. Esta cena durou pouco mais de um minuto, o momento foi registado com algumas fotografias que me fizeram suspirar por mais, mas o abutre foi-se embora e com ele a vertigem soalheira daquela tarde. A dança continuou noutras latitudes e noutros instantes tão improváveis como este. Por aqui, tais dançarinos nunca se escusaram a dançar nesta moldura dimensional.


Os passos de dança do abutre-preto.







Os grifos apareceram num bando considerável e impuseram a lei do maior número.



Os milhafres movimentavam-se de árvore em árvore e foi tempo de trabalhar alguns registos em voo.





E por fim o vídeo do dia:




Agradecimentos:

Alfonso
José Frade
Luis Arinto





sábado, 13 de julho de 2019

Hornoya

Do porto de Vardo até ao ilhéu são 10 minutos de barco, depois foi contemplar a beleza selvagem de Hornoya com  milhares de aves marinhas.




sábado, 6 de julho de 2019

Uma viagem até Hornøya na Noruega



Maio de 2018 | Hornøya - Noruega.

Ainda o dia aprendia a soletrar os primeiros raios de luz já estávamos ansiosos por embarcar em direção à ilha Hornøya. Mas não estávamos sozinhos. No porto de Vardo juntaram-se outras almas de várias nações desejosas por observar aves. Para navegarmos até à ilha tivemos que reservar o nosso lugar no barco e para tal dirigimo-nos a uma casa amarela pré-fabricada, onde comprámos o bilhete de ida e volta e ainda tivemos direito a um colete que quase nos melindrava a masculinidade. Logo após esta provação estávamos mais do que prontos. 

Volvidos alguns instantes, chegou o barqueiro, um homem ruivo de meia idade, pesadote e de barbas longas que sorridentemente convidou-nos ocupar os lugares dividindo os passageiros para cada lado do bote de borracha. Era hora de zarpar a todo o gás. A viagem até à ilha de o Hornøya fez-se de forma rápida, com os coletes saudavelmente bem amarrados e com olhar fixo no horizonte não fosse o enjoo pregar-nos uma partida. A temperatura estava agradável e após 15 minutos e umas acelerações pela crista da ondulação, a ilha-rochedo parecia cada vez maior. À nossa frente anunciava-se imponentemente Hornøya,  o ponto mais oriental da Noruega, pintalgada com farrapos de neve e protegida por milhares de seres alados.  Gaivotas, airos, corvos, galhetas e outros tais, cruzavam os céus numa incógnita chusma voadora. O som dos bichos propagava-se por ondas de impacto cacofónico quase ensurdecedor e o cheiro a dejetos era um aviso para o que nos esperava.

Com cuidado sairmos o barco e o espanto causada pelas nuvens de milhares de aves toldou-nos os sentidos momentaneamente. Ainda estávamos a habituar-nos ao ambiente, quando o barqueiro comunicou-nos uma má noticia - a passagem para o outro lado da ilha estava condicionada; devido à queda um enorme pedregulho que inviabiliza qualquer tentativa de contornar o ilhéu. Nós e os restantes visitantes ficámos confinados a um perímetro de poucos metros entre o cais e o grande calhau. O passadiço estava destruído pela queda da enorme pedra o que abalou o nosso ânimo. O barqueiro informou-nos que o governo local não fazia intenção de mover a pedra, uma vez que aquela derrocada tinha sido a vontade da natureza, e se fosse necessário seria construído um outro corredor ladeando o calhau. Fiquei a pensar de como seria em Portugal e porque motivo não fomos informados da queda da pedra antes de embarcarmos. Adiante. No mar imenso azul, poisavam bandos de airos que viram o barqueiro a desaparecer em direção è península de Varanger. Não nos restava outra coisa senão sorver todos os pormenores até os mais mal cheirosos, aproveitar todos os momentos e fotografar todas as oportunidades e assim foi feito. 

Contudo houve mais um incidente. Na minha busca incessante por experiências e no meio de alguma atrapalhação, deixei cair a máquina de filmar dentro de uma poça de água castanha e fedorenta. Bastaram segundos para que naquele caldo de porcaria o aparelho desaparecer. A poça não era muito funda e um pouco atarantado com o sucedido retirei a máquina  daquele caldo malcheiroso. Não tive outra alternativa senão  filmar com o telemóvel e mesmo assim ainda consegui registar alguns instantes sonoros e gráficos do ambiente da ilha. Quando eram 13:00 apareceu o nosso barqueiro que amavelmente levou-nos de regresso para o porto de Vardo. Estava contente pela experiencia única, independentemente de tresandar a guano e de carregar mais uma maquina obsoleta. 


Um dos objetivos principais era fotografar o papagaio-do-mar mas não foi fácil. Vimos 2 e só conseguimos alguns registos nas viagens que as aves realizavam entre a pesca no gelado mar de Barents e da ilha de Hornøya onde a ave nidifica. Presumivelmente a população de papagaio-do-mar (Fratercula arctica) ocupa a parte inacessível da ilha e daí a razão de vermos tão poucos. Recentes estudos indicam que os números desta espécie tendem a diminuir. 







O corvo-marinho-de-crista ou galheta (Phalacrocorax aristotelis)
dava-nos as boas-vindas ao chegar à ilha.


Os detalhes das suas penas brilhantes,


E uma orquestração desafinada de galhetas



Eram tantos os airos-comuns (Uria aalge) que no meio deles quase de certeza andavam uns airos-freio.

O olhar atento do airo que conhece tão bem o Mar de Berents

                                 


A  misteriosa torda-mergulheira (Alca torda) e as suas aproximações à costa.




No topo de uma ravina um casal de tordas brindou-nos com um glorioso recital de acasalamento.

Grandes bandos as gaivotas-tridáctilas (Rissa tridactyla) afugentavam as águias e os corvos que por ali tentavam caçar os ovos.





O airo-de-asa-branca (Cepphus grylle ) foi observado em Ekkerøya e não colaborou como desejado.



O grande pigargo (Haliaeetus albicilla) em busca de alimento 




A ilha de Hornøya é uma reserva natura desde 1983 e é habitada por sensivelmente 80.000 aves marinhas, tendo sido já registadas 100 espécies diferentes. É comum observar várias espécies de golfinhos, baleias e orcas a patrulharem as águas. A ilha dispõe de um farol que é utilizado para investigação de cientistas durante o verão, mas também existe a possibilidade de alugar quartos para estadia.




 Aqui ficam alguns exemplos da paisagem. 





Os bandos ensurdecedores de gaivotas-prateadas e 



Em mergulho sincronizado de airos,


de seguida o ajuntamento piscatório.


O cais de embarque da ilha com um abrigo para os dias de tempestade


Uma  tentativa de fazer uma pintura com muitos airos.






Agradecimentos:


Família Frade


sexta-feira, 5 de julho de 2019

Uma viagem até Kuusamo na Finlândia



O nevoeiro dissipou-se e depois de várias horas pelas desertas estradas escandinavas, à nossa frente anunciava-se um casario vermelho digno de um romance policial. Por todo o lado altos blocos de neve aguardavam pelo aumento da temperatura para o inevitável degelo. Na estrada de terra batida que dividia a floresta de bétulas espreitavam gnomos imaginários e outros de madeira que indicavam que tínhamos chegado ao nosso destino. Um casa ampla ladeada por árvores e um maravilhoso lago gelado. Os nossos anfitriões, um casal finlandês bastante amistoso, falou-no das curiosidades locais e dos bichos que poderíamos encontrar como lobos e corujas, povoando o nosso imaginário imediato de esperança. Convidaram-nos a usar a sauna mas essa experiência foi adiada, uma vez que o tempo era escasso e o chamamento pelos bosques era imenso.
Da casa em Kussamo recordo o chão aquecido, espaço arejado, o vestíbulo onde éramos obrigados a deixar os sapatos e a misteriosa sauna. Foi dos donos da casa que recebemos um presente, tratava-se de um púcaro de madeira,  do qual podíamos beber água de qualquer curso de água das redondezas. Este casal de finlandeses eram louros, altos e grandes e de sorriso fácil, o que deita por terra a teoria de que este povo nórdico é sisudo - nem todos.

Durante 3 dias percorremos os arredores em busca de bichos que tínhamos em mente, todavia a paisagem gelada despertava-me os sentidos para a magia do sol da meia noite. Era inevitável encontrar na candura da paisagem uma fonte de inspiração, na qual os escritores escandinavos recorriam com manchas de sangue a contrastar na neve nívea e imaculada. Os recortes de luz e os seus reflexos….


As nuvens e as árvores assistem pacientemente ao degelo


Aqui fica Kuusamo no mapa.




Noutro lago a camada de gelo é ainda muito espessa, convidaram-nos a andar por ali mas… 



Os meus passos na neve murmuram um certo desnorte, enquanto as árvores contemplam os raios de sol branco.


Nestes lagos vivos oiço rumores das coisas ditas pela brancura algures manchadas de sangue num  imaginário policial. 


Se olhares para o céu... resta o interminável eco ao adejar do último cisne-branco.


Brancas populações de árvores pareciam caminhar em direção às estradas. Destes trilhos restava o nada que alimenta a pedra. Sem gente, carros ou outro equivoco civilizacional, não sabíamos se o mundo acabou, ou estaria para findar num logaritmo tão saboroso quanto ignorante. Felizes às vezes… acelerávamos para dentro nós próprios - relógio ainda vivo, 


De curva em curva os caminhos faziam-se por terra batida.


De repente o cenário muda e somos hipnotizados pela neblina. Num último suspiro, uma venda branca desce sobre o corpo de neve. Até os pássaros respeitam o silêncio e a queda do momento. Tudo agora é outro.



Os pormenores humanos dos líquenes que se apoderavam do tapete de musgo, como trompas que beijam e sentem o cheiro do medo natural de estar vivo.


Os rebentos vegetais rasgam a farsa do nocturno despertar.


Abandono a sombra de algumas palavras e num registo mais cientifico volto a Kussamo e às suas aves. Um casal de mergansos-pequenos (Mergellus albellus) nadava calmamente num pequeno lago, fazendo as delícias de vários fotógrafos que tal como nós, sorvíamos o momento.



À beira da estrada uma fêmea de galo-tetraz (Tetrao urogallus) acompanhou o lento movimento do carro sem medo algum.



Para depois esconder-se, mimetizando-se por entre a vegetação.


Inesquecível será o som de gladiador do galo-montês (Tetrao urogallus), a ecoar pelos lagos gelados antes de uma luta de machos. Depois, todos os intervalos de silêncio são pormenores que nos fazem lembrar que ocupamos uma parcela ínfima numa casa que não deseja ser incomodada. 



De pose triunfal, sem medo de quem o contempla com admiração, ele segue a sua marcha em direção a uma outra arena para que se repita o ritual. E a nossa luta será...
Saber o que fazer com estes dias brancos de memória fina.



O gaio-siberiano (Perisoreus infaustus) veio espreitar quem eram aqueles que agora chegavam ao seu  parque de merendas. Foi assim que  o encontrámos e foi daqui que ele nos viu.


Às vezes "perto" não significa "bem". De tão próximo que estava do gaio-siberiano, e na ânsia de conseguir um fotograma, esqueci-me do inicio e fim do enquadramento. 


Em focagem manual, de outra forma não era possível registar este lagopo-ruivo (Lagopus lagopus) que escondido brincava com a nossa teimosia.



Um lago que pertencia aos cisnes-bravos (Cygnus cygnus) e nós respeitámos a sua vontade.



Houve alguns que não gostaram da nossa presença. Compreensível. 


O mesmo se passou com os mergansos-grandes (Mergus merganser) que depressam voaram para outras paragens.


Por outro lado, o descanso imperturbável,  em cima de uma árvore o tetraz-lira (Tetrao tetrix) permanecia imóvel ignorando os nossos chamamentos.


Em cima dos pinheiros o chapim-montês (Poecile montanus) cantava as suas glórias


Foi de fugida que conseguimos observar a escrevedeira-amarela (Emberiza citrinella)


Em Kuusamo, os picoteiros (Bombycilla garrulus) surgiam em bandos irrequietos de volta dos tenros rebentos das árvores. Sem dúvida, foi uma das aves que mais gostei de observar.


O ataque do bando às árvores inocentes.


Pensativo - Um registo de um picoteiro solitário.


Por todo o lado, os tordos-zornais (Turdus pilaris) ocupavam todo o tipo de habitats, raramente vimos tordo-comum.


Os tordos-ruivos (Turdus iliacus) andavam misturados com os zornais e em grande número, por vezes aconteceu não saber quem era quem.




O olho-dourado (Bucephala clangula) faziam parte da paisagem alva mas não permitiram grandes aproximações.



Onde estará a coruja-do-nabal?


 No seu calmo vagar, este anfíbio atravessava a estrada, não havia trânsito que o amedrontasse, porém tivemos que tirar o bicho do meio da via, não fosse dar-se inicio a uma qualquer prova automobilística.


São 0:20 minutos em Kussamo e ainda há vestígios de um astro qualquer.




Por aqui gostava de escrever um romance policial sem um  assassino, sem uma gota de sangue, um casario abandonado, uma sombra suspeita, ou o sol da meia-noite, apenas com as famintas criaturas que se alimentam dos longos nevões de Kussamo. Por certo não saberia o que fazer com o dia que sobrava da noite branca,










Agradecimentos:


Família Frade.

M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...