sábado, 31 de outubro de 2015

Hoje






Tu és hoje,
esta é a tua casa de fogo,
onde amarinhaste pelo papel de parede,
moveis e cortinas à espera que de um amanhã diferente,
mas amanhã não te posso garantir que haja noite.

Como sabes…
amanhã não tem volume, por isso não lhe podes tocar;
nada é mais vago que uma suposição,
sonho sem aresta ou paraíso sem vértice onde possas subir.

O teu nome é Hoje.
não tens outro remédio, senão correr pelas nuvens de linho,
aproveitar as auto-estradas que saem das tuas mãos
e redopiar pelos jardins de livros, abraçando árvores criança.

Só o calcário das palavras de Hoje te interessa.
ontem e amanhã são apenas fósforos sem cabeça.
sabes lá se amanhã terás voz, escamas, pele, lâminas;
ou se serás outro nome com que te possas entreter.



domingo, 25 de outubro de 2015

Átomo






Pensava em ti e nos verbos que criei em gaiolas,
nos dias urbanos em que desenhei a tua sombra:
nas carruagens do metropolitano,
nos carros de chuva,
nas locomotivas transparentes,
nos elevadores das torres altas,
nas curvas apertadas da marginal,
entre pontes, hotéis e dormitórios,
nas minúsculas janelas do corpo de uma cidade,
mas em nenhum destes reflexos te encontrei,
porque foste aragem que atravessou os poros
de todas portas...
até à carne limpa do silêncio das casas;
sendo às vezes mais do que um átomo d´amor.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O amigo do fotógrafo - Cartaxo-comum (Saxicola rubicola)





Como são as coisas? Quando vou fotografar para o campo, observo muitas destas aves, baptizadas carinhosamente como sendo os “amigos do fotógrafo”. 
Alcunha, que muito se deve ao facto de adoptarem uma postura destemida e curiosa, pondo-se a jeito de uma fotografia de retrato. Infelizmente, verdade seja dita, não perco muito tempo com elas. Não por não serem bonitas; muito pelo contrário, antes por serem vulgares e não só de nome, como também de ocorrência. Porém, o caso muda de figura quando se trata do nosso jardim, do nosso cantinho ao pé de casa. Os afectos e o sentido de pretensa mudam a vulgaridade das coisas, transformando-as em jóias com adornos únicos de singularidade. Um simples cartaxo-comum (Saxicola rubicola) deixa de ser comum e passa a ser “nosso” e depois momento único e recordação. Foi a primeira vez que fotografei esta ave em Carcavelos. Porque a fotografia também é isto. 

Um abraço ao meu amigo Carlos Cartaxo.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Auto da Barca de Melides







Na lagoa de Melides existe um pequeno ilhéu. Com o final do dia, o ilhéu move-se no horizonte sereno, coberto por pequenas aves brancas num esvoaçar irrequieto. Daqui a pouco, chega o barqueiro e as suas lembranças de outras almas, as aves sabem disso e as raízes do homem também.




M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...