quinta-feira, 15 de abril de 2021

O Carpinteiro do Sol

 





Pelas escadas sobe o silêncio marmóreo,

espero ouvir o barulho das chaves,

acompanhado pelo pigarrear da tua chegada,

mas a porta não voltará a abrir-se,

pelas mãos calejadas 

de quem carpintejou na perfeição a madeira,

procurarando a janela mais próxima deste céu.


Cá por casa...

o tempo faz-se lento,

sobra o eco dissonante da tua falta,

o cristalino azul dos teu olhos - doce mar,

sem rotinas, os objectos assumem-se tristes,

de manhã, a torradeira já não te chama,

com o pão dourado a pingar manteiga,

à tarde, os tapetes alinhados, a cadeira vazia,

à noite, a manta alentejana dobrada e fria.


Tu eras o homem bom que não temia a morte,

apenas a imobilidade e o embaciamento dos dias,

que enfrentavas em busca dos caminhos de sol,

guiado sempre pela vontade férrea de caminhar

e fazer da simpatia da rua um altar.


Ah meu Pai…

a descontracção do teu sorriso faz-nos falta!

como uma chave que dá voltas e voltas, 

neste músculo fechado e ferido que nos mantêm à tua espera. 






Para o meu querido pai -  Viriato José Guerreiro






sexta-feira, 2 de abril de 2021

Orquídeas, aves e caminhadas

 

Minha doce vila de Carcavelos e a sua biodiversidade 

Numa das minhas recentes caminhadas encontrei, próximo da praia de Carcavelos, esta orquídea silvestre (Anacamptis pyramidalis), contudo como não tinha máquina fotográfica, decidi voltar ao local com o mesmo pretexto de caminhar, mas  desta vez, aproveitar para fotografar esta bela planta herbácea. Assim foi, fiz 6 quilómetros e depois das fotografias aproveitei para ingerir algumas calorias, deliciando-me com um gelado de manga e maracujá na geladaria Santini. Em tempos de pandemia, e como tinha que tirar a máscara, salvaguardando o devido ao distanciamento social, escondi-me num dos jardins próximos a degustar o doce manjar. Sozinho, emaranhado nos meus pensamentos, mais ainda, de volta do gelado que entretanto derretia-se para cima dos dedos, urgia terminar tamanha gulodice. Todavia, qual não foi o meu espanto, quando um tordo aproveitou para fazer o mesmo a escassos metros de mim, só que no caso da ave, deliciava-se com uma enorme minhoca. Depois apareceu um melro apavorado e um casal de pombos-torcazes enamorados que quase poisaram num banco ao meu lado. Registei alguns momentos dos bichos e dos seus comportamentos, a dada altura a máquina fotográfica também provou o sabor tropical do gelado e a minha inépcia para separar amores veio ao de cima. Não por muito tempo. Os pombos fugiram quando um cão esgrouviado e o seu dono com a cabeça dentro de um smartphone apoderaram-se da acalmia do jardim que me enchia a alma e os dedos de coisas doces. Fui para casa com nódoas na camisa e com o cone de baunilha no canto da boca.















M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...