sexta-feira, 23 de março de 2018

Batsu Garden e as suas aves


Quando chegámos a San Gerardo de Dota na Costa Rica, perguntámos pelo Batsu Garden e curiosamente ninguém sabia do que se tratava. Contudo, depois de muitas tentativas encontrámos um hotel responsável pelo jardim onde se situavam os alimentadores e bebedouros para as aves. Comprámos os bilhetes e dirigimo-nos para o local, usufruindo do tempo a nosso bel-prazer, sorvendo a paisagem como um delicioso néctar. Ainda estávamos a preparar o equipamento, quando chegou um simpático senhor que rapidamente aspergiu as flores com uma solução de água com açúcar e colocou fruta numa estrutura a servir de comedouro para depois iniciar-se o festim esvoaçante. 

À minha frente um monte nubloso, por debaixo do alpendre que anunciava um jardim com um tronco onde a fruta era apresentada aos bichos. As nuvens desenhavam suaves palavras e promessas silenciosas. Aproveitei o momento, sentei-me numa cadeira assistindo ao lento passar do nevoeiro, contrastando com atarefado voo dos colibris em torno dos bebedouros. Sem medo algum estas magníficas aves pousaram na costa da cadeira reclamando o lugar e a vista, e assim dividimos estes momentos numa aguarela viva em constante mutação. Este é, sem dúvida, um dos melhores locais para fotografar aves de uma forma calma e  relaxante. 

Eis alguns dos protagonistas que nos brindaram com a sua gloria e esplendor.


Este pica-pau Acorn woodpecker Melanerpes formicivorus, parecia habitar dentro do tronco abandonado, tal era o seu zelo e cuidado pela posse e manutenção. 


O Blue-gray tanager (Thraupis episcopus) tentava passar despercebido por entre os pingos da chuva.


O Sooty-capped Chlorospingus Chlorospingus pileatus colocou-se por entre vegetação improvisando um poiso e  uma moldura fotográfica com efeito originado pelo flash.



Muitos foram os colibris que nos confundiram os gestos com os seus voos.



Este Talamanca Hummingbird Eugenes spectabilis, subiu para cima da mão do meu amigo Frade sem medo ou timidez.


Fiery-throated Hummingbird Panterpe insignis parecia indicar o caminho a seguir


Volcano Hummingbird Selasphorus flammula quase cabia dentro da flor.



Por entre a vegetação cerrada tentei registar o brilho deste Stripe-tailed Hummingbird Eupherusa eximia, 



O magnífico Silver-throated Tanager Tangara icterocephala, desafiava os outros concorrentes para ver quem chegava primeiro ao banquete de fruta.



A forma do bico é a preciosa ferramenta com que o Slaty flowerpiercer Diglossa plumbea amanha as flores.



O calmo Clay-colored Thrush Turdus grayi veio ver como estava a ser servido o lanche.





Flame-colored tanager Piranga bidentata, adulto e juvenil, respectivamente, numa aula de etiqueta e boas maneiras nos alimentadores de banana e goiaba.



O macho do White-throated Mountain-gem Lampornis castaneoventris, aguardava que os voos rasantes  de outros colibris de volta dos bebedouros descongestionassem, para puder saciar a sua sede.



Por sua vez, a fêmea do White-throated Mountain-gem Lampornis castaneoventris contava as novidades a outro colibri.



Scintillant Hummingbird Selasphorus scintilla, foi rápido a encontrar uma flor e fazer dela sua parceira de dança.



White-naped brush finch Atlapetes albinucha era tímido e não deu hipóteses para fazer mais.

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Em San Gerardo de Dota encontrámos lugares misteriosos com habitantes não menos curiosos que nos vieram oferendar com boas novas.






Esta era a fala dos rios e o seu alfabeto de eterna mudança.



Por recantos mágicos, ficámos à espera de encontrar uma porta para outra dimensão.



 Long-tailed silky-flycatcher Ptiliogonys caudatus quase se fundia com o fundo e desaparecia em cabriolas verdejantes.



Esta Spotted Wood-Quail Odontophorus guttatus irrompeu do meio do bosque cerrado com um chamamento urgente, e tanto procurámos que inesperadamente demos com a ave que andava para trás, quase aos nossos pés...

                                     

Este Torrent Tyrannulet Serpophaga cinerea, entre caçadas insectívoras, apanhava sol na margem de um riacho.


O pequeno pica-pau Hairy Woodpecker Picoides villosus dividia com o galo a atenção da cena rural.



Quanto ao Ruddy-capped Nightingale-Thrush Catharus frantzii, sim... tivemos que rastejar para nos aproximarmos desta curiosa ave.


Como recordação do Batsu Garden trouxe o folheto e guardei-o com a promessa de um dia voltar.




Quem sabe...





quarta-feira, 21 de março de 2018

Espinho



Agora que o gume afiado do alfinete corta o dedo,
brilha a gota exemplar do todo o sangue do mundo,
devagar, procedo à extracção da lasca selvagem,
que se glorificou dentro da sombra dos meus limites.

Na ponta luminescente do alfinete em brasa,
deposito a esperança de me libertar deste espinho,
que durante anos se alojou na manta curta da pele,
num irrequieto crescendo, tão impuro quando silencioso.

De todas as minhas imperfeições passíveis de escárnio,
este espinho provém da rosa que me corrige da bendita fealdade,
pois entre pus e sangue pisado, esta lasca clandestina,
é a mais perfeita virtude que trago comigo.

Já fora da bainha de carne que lhe serviu de invólucro,
o poder da lupa revela os contornos da indómita falha
dela despeço-me das flores áreas, das raízes urbanas,
das árvores forte e dos frutos de perfeição violenta,
que durante dias sentiram o desnorte dos meus passos.

tão vegetal fui sendo húmus,
que de tudo se passeou pela carne sem lhe ligar nenhuma.





domingo, 4 de março de 2018

A Forma da Água


Estou a escrever sobre este filme horas antes da entrega dos óscares. Para mim, tal cerimónia não representa o estado de graça da sétima arte ou o momento cinematográfico do ano, muito pelo contrário. É mais uma janota festança de glamour e passadeira vermelha, cuja fastidiosa apoteose dourada dispenso, porém não deixo de espreitar as nomeações e depois comparar os resultados. Claro que não fico acordado até às tantas a seguir o evento. Todavia, estou curioso para saber como vai ser avaliado a Forma da Água de Guillermo del Toro. Incrível... este filme recebeu 13 nomeações????


Quando vi a Forma da Água precisei de alguns minutos para digerir a história e a maneira como foi trabalhada, nada que uma boa caminhada não possa esmoer e uma água das pedras não ajude a acompanhar. O filme mete tanta água que inicia-se submerso, com uma divisão completamente inundada, onde objectos graciosamente flutuam. Visualmente atraente, as cenas apresentam uma hipnótica coloração verde azulada, o que confere à película um ambiente esbatido entre o aquático e a morna fantasia. 


Quanto à história: Estávamos nos anos 60, em plena guerra fria, onde os Estados Unidos e a União Soviética esgrimiam argumentos bélicos e tecnológicos. A captura de um bizarro ser anfíbio, resgatado dos confins da amazónia, onde era venerado pelas tribos locais, vai acicatar as quezílias entre estas duas superpotências, mortinhas que estavam (estão) para se espezinhar mutuamente. A muda empregada da limpeza Elisa (Sally Hawkins) descobre o amor por intermédio deste ser, homem tritão, vamos-lhe chamar assim, um bichinho bípede esverdeado, de olhos esbugalhados e com guelras (não ET - digo eu) aprisionado num laboratório e maltratado num tanque até ao cúmulo das correntes e dos grilhões. Numa corrida contra o tempo, uma vez que o homem tritão precisa de ter o seu corpo em contacto com meio aquático (compreensível), Elisa reune a fiel companheira de turno Zelda (Octavia Spencer) e o amigo de quarto Giles (Richard Jenkins) para resgatar o seu amor das garras do terrível homem que urina de mão livres, o vilão, o mauzão Richard Strickland (Michael Shannon)


Ai... Ai... Doces enganos... Meus senhores, se este "ser" era tão especial, fica assim, ao alcance de uma empregada de limpeza (com o maior respeito que tenho pelas senhoras da limpeza)? E o laboratório secreto era tão ultra secreto...Nem um guarda tinha à porta? Realmente...  O amor nasce dos enganos e assim surge a paixão desta respeitável empregada de limpeza por um estranho mas afável Homem tritão. A bela e o monstro em mais um lugar-comum. De facto, o amor é um laboratório de experiências, provações e equívocos. 

Mas afinal... nem tudo é mau. Bem vistas as coisas, diverti-me, dei por bem empregue as duas horas e alguns minutos que estive "dentro" do filme. A fantasia também é isto. Ajuda a suavizar a realidade, a contornar o tempo e a passagem das ilusões. Entre a bela muda e o monstro imortal, que venham os ovos cozidos, servidos ainda quentes, acompanhados por uma canção de amor de um gira-discos qualquer. 


Não era preciso tanto

Não era preciso tanto sofrimento, tamanha dor ou insondável medo, para acreditar em Deus, e nos seus caminhos indecifráveis. veredas inscrit...