sábado, 31 de dezembro de 2016

O periquito que desafia a tropicalidade de Lisboa

No último dia do ano e depois de um turno de trabalho madrugador, decidi seguir uns curiosos periquitos, mais concretamente periquitão-de-cabeça-azul (Thectocercus acuticaudatus), que voavam por entre árvores numa alegre cacofonia. Observei o percurso das 4 aves desde a Praça José Fontana, sobrevoando a Avenida Fontes Pereira de Melo, até poisarem em frente à Maternidade Alfredo da Costa. Dei a volta ao jardim para contornar as sombras causadas pelos edifícios, até encontrar um local com alguma luz, o que possibilitou registar minimamente os bichos. Estes andavam entretidos no topo das árvores com os raminhos mais tenros e de repente começaram a  vocalizar à desgarrada, para depois fugirem supostamente intimidados por umas gaivotas que circundavam o local. As aves desapareceram na tropicalidade dos céus de Lisboa. Já estava a arrumar a máquina fotográfica quando num piscar de olhos, a árvore onde anteriormente pousaram os periquitos foi invadida por um bando com mais de 30 indivíduos. Pelos vistos sentiram-se ameaçados e foram chamar reforços. E por ali ficaram  estabelecendo relações de proximidade com os da sua espécie, enquanto os humanos que cruzavam o jardim contemplavam o colorido sonoro que as aves emprestavam às árvores. Estas aves são oriundas do continente americano e por cá são produto de fuga de cativeiro. Os periquitos ouviram dizer que nós andávamos em contagem decrescente para o fim de um ano que se quer ver pelas costas. 

















sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Ao novo ano que aí vem... mexe-te...

Como pano de fundo surge a Lagoa de Melides, cristalina e serena, assistindo aos ciclos do tempo e às vontades do homem.

Aproveitem para sair de cá e de lá, para descobrir caminhos, atalhos, sentidos e interrogações. Aproveitem para questionar as rotas, as aves, os insectos e todos os bichos e plantas, bizarros mundos de tão indiscretos em irrequietas mutações. Percam-se pelo indizível dicionário da biodiversidade. Desfaçam as arestas do sofá e do sono curvilíneo da preguiça. Pulem entre a coroa da flor e ângulo doce do favo do mel. Edifiquem um projecto para o poder rasgar a vosso bel-prazer, ou venerem todas as folhas em branco que vos caem das mãos. Aproveitem para ser melhores. Olhem para cada dia como um desafio diferente, como uma nova perspectiva sem raiz ou âncora, sem peso ou medo de arrasto. Tratem a bênção da natureza como a vossa própria oração.

A todos desejo um excelente 2017 com muita saúde e em paz!





Garça-branca-pequena (Egretta garzetta)




quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Parque Nacional Las Tablas de Daimiel


Situado na província de Cidade Real, na comunidade autónoma Castilha-la-mancha, em Espanha, este parque nacional tem para oferecer um ecossistema único para observação de aves. O transbordo dos rios Gigüela e Guadiana e a inclinação do solo contribuíram para sustentabilidade da biodiversidade, originando zonas húmidas e de pantanal de extrema importância, sendo reconhecido como Reserva da Biosfera desde 1981. A dois quilómetros de Daimiel temos a Lagoa de Navaseca formada pelas águas da estação de tratamento, bastante ricas em nutrientes. Havendo comida com abundância, estão reunidas condições para que uma enorme variedade de aves elejam esta lagoa para nidificação, sendo também um ponto de abrigo e de invernada. 

Quando chegámos a recepção do Parque Nacional perguntámos pelo "Bigotudo" ou se preferirem chapim-de-bigodes, prontamente fomos informados dos locais e das horas para melhor observação desta ave. O  turismo desta região está perfeitamente consciente  da riqueza da biodiversidade e da procura cada vez maior pelo birdwatching e por isso integra uma rede de abrigos para o efeito. E são bons abrigos estrategicamente posicionados para observação ou fotografia de aves. A nível hoteleiro a estadia é acessível e  variada, quanto à gastronomia é simples com algumas características de dieta mediterrânea. A relativa facilidade com que fotografámos algumas espécies, fez com quiséssemos voltar a percorrer os caminhos de tábuas elevadas por cima de um magnifico pantanal. 

Por cá não precisamos de importar ideias à força. Todavia temos que traçar novos horizontes que contribuam para combater a sazonalidade das praias. Temos que estar cada vez mais mentalizados que vários nichos de turismo contribuem para uma maior variedade de oferta. Turismo de Portugal também deve ser observação e fotografia de aves. 




Primeiro o chapim-de-bidodes (Panurus biarmicus) surgiu por entre as canas mas depois foi "escavar" à sombra.


Aos pulinhos assim andava o chapim-de-bigodes em busca de alimento.


                               Infelizmente o chapim-de-bigodes não existe em Portugal


Mas não deixa ser uma experiência única observar as suas movimentações.


Nada fácil de observar... porém esta cigarrinha (Locustella luscinioides) estava mesmo por debaixo da janela do abrigo


Mais ao longe a cigarrinha-malhada (Locustella naevia) tentava passar despercebida por entre a vegetação.



Calmamente o pato-de-rabo-alçado (Oxyura leucocephala) cruzou as águas da lagoa exibindo o seu bico escandalosamente azul. 





O pato-de-rabo-alçado é raridade em Portugal mas por aqui são comuns.


A pardilheira (Marmaronetta angustirostris) também é raridade por estas terras.


O zarro-castanho (Aythya nyroca) pousou despreocupado bem à frente do abrigo.


A fêmea do marreco (Anas querquedula) brindou-nos com um bater de asas de satisfação.


Num abrigo à beira da estrada era possível observar o empenho deste frango-d´água (Rallus aquaticus)


Numa paisagem imponente de biodiversidade, a espera faz-se pelo regresso das chuvas.


Ao longe agitam-se as águas numa reunião de patos-de-rabo-alçado.



Entre árvores secas e lagoas cheias de ritmos vivos.


Assim se tece a paisagem de devir constante.


Foi no inicio de Setembro que visitei o Parque Nacional Tablas de Daimiel e fiquei impressionado com a quantidade e qualidade de infraestruturas para a observar e fotografar a avifauna.


Por entre caminhos e veredas do Parque era possível ouvir os chamamentos de tantas aves, mantendo vivo o sonho de as poder registar.


Com vontade de um dia regressar... 


E sentir aquela luz do fim de tarde com tantas histórias por descobrir.


Até lá o sol dança...






Agradecimentos: Família Frade






sábado, 10 de dezembro de 2016

Histórias de codorniz (Coturnix coturnix)


Nunca tinha visto uma codorniz em liberdade. Ontem na Ponta da Erva, alheada de qualquer movimentação, fotografei este exemplar a alimentar-se calmamente na berma da estrada. Até que as máquinas fotográficas dispararam e a ave desapareceu por entre a vegetação. 



Em tempos difíceis de desemprego e de poucos recursos, a minha mãe, tendo um filho pequeno para criar, aceitou um trabalho que consistia em depenar codornizes à unidade para um restaurante que servia este prato de iguaria cinegética aos seus clientes. As codornizes eram entregues de manhã a um conjunto de senhoras, e no fim do dia eram recolhidas já depenadas. Com um olhar contemplativo a minha mãe confessou que apenas depenava oito codornizes enquanto as demais "depenadoras" somavam dezenas de aves prontas para a cozinha do restaurante. Esta tarefa rendia algum dinheiro que servia de ganha-pão. Soube desta história no dia em que mostrei aos meus pais a minha primeira codorniz fotografada em estado selvagem. Hoje os tempos são diferentes mas não se esquece a dificuldades passadas pelos meus heróis.




quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Em busca do tordo-zornal (Turdus pilaris)






Foi com enorme contentamento que aceitei o convite dos meus amigos Frade para partir em busca do tordo-zornal pela geometria das terras serranas. Ficámos alojados nas Taliscas, terra onde o ambiente calmo e familiar é salpicado pela melodia corrente da ribeira de Unhais, numa combinação de matizes naturais que se traduzem num elixir de tranquilidade para a alma.

Quando a noite despertou o céu engalanou-se de estrelas para festejar Santa Bebiana e claro... nós fomos para a festa! Chegámos ao Paul, e onde existiam casas particulares passou a haver bares de porta aberta, com gente de sorriso pronto e sincero. Degustei o doce das filhoses com travo a aguardente enquanto perdia o olhar pelas ruas típicas da vila. Depois, de púcaro atado ao pescoço, percorri várias casas transformadas em tasquinhas, provando o espírito da jeropiga e as suas histórias entornadas em gargalhadas.
A população entrou na romaria de espírito jovem e festivo, acompanhando os bombos, as tunas e  os cantares populares em torno da segunda vila mais portuguesa de Portugal. O Paul estava em festa.

No outro dia ainda o sol não tinha nascido já nós encetávamos viagem em direcção às Penhas da Saúde. Lá chegados e num rasgo de sorte, encontrámos um precioso tentilhão-montês no meio de um bando de outros tentilhões-comuns, alimentando-se das bagas vermelhas que abundantemente caiam das árvores. A luz (ou a falta dela) era terrível, sendo esta uma das poucas fotografias sobreviventes.



Não parou de chover um minuto e houve alturas que não se via um palmo à frente do nariz. O para-brisas do carro deixava antever uma realidade branca de névoa fria e rajadas de vento intimidatórias. Mesmo assim, ainda observámos um bando de melros-de-colar e supostamente tordos-ruivos ou tordos-zornais, ou quem sabe, se não seriam pequenos duendes voadores sobrevoando catedrais de
neve suspensas.



A subida até à Torre em busca da escrevadeira-das-neves também não teve sucesso.  O nevoeiro condicionou a busca por qualquer coisa que se mexesse. Restavam as árvores para nos indicar o degelo das horas matinais.


Descemos e prosseguimos com determinação em busca de cogumelos e lugres, para tal entrámos no Covão da Ametade, uma depressão de origem glaciar de encanto único, onde o ambiente é um quadro vivo de emoções sempre diferentes. Não encontrámos o que procurávamos, porém, e para deleite do olhar, fica assinalado alguns fotogramas singulares da beleza paradisíaca do local. Aqui a surpresa é constante e a beleza natural movimenta-se de forma renovada e perpétua.








Tempo para descomprimir. Nas Penhas da Saúde depois da espera inglória pelos bichos, guerreamos com a neve, ponteámos a sorte e injuriámos a sexualidade das chaminés. Brincadeiras de crianças  -sempre oportunas.



No dia seguinte era o agora ou nunca. Entre curvas acentuadas e subidas por estradas ladeadas por neve, surgiu o momento em que apareceram os tão desejados tordos-zornais. Não se pode ter tudo; se por um lado é um privilégio assistir a uma paisagem delineada por um silêncio branco, por outro, o nevoeiro  e a chuva não permitiam uma visibilidade superior a 5 metros, como se comprova nas fotos possíveis, que apenas servem para registar as espécies e que reflectem as dificuldades do momento.


Ali estava ele - o tordo-zornal escondido por entre ramos e o temporal. 
A foto possível num momento a recordar.


Depois de muitas voltas, as condições climatéricas agravaram-se, mas ainda foi possível assistir ao desafio do corvo perante os contornos de uma eventual aparição.


E nas curvas sem margem, o destemido rabirruivo enfrentava a neve sem frio que o demovesse. 


Enquanto isso, uma perdiz corria atarefada em busca de um abrigo no meio dos caminhos gelados. 
O frio apoderava-se das mãos e o estômago reclamava por atenção quando fizemos um intervalo para aquecer os dedos e a barriga. O almoço foi no restaurante Varanda da Estrela nas Penhas da Saúde. Como entrada deliciei-me com uma variedade suculenta de enchidos, ao que se seguiu o prato principal: um soberbo javali com castanhas e cogumelos regado com vinho tinto da casa. Forças retemperadas! 

Voltámos ao local onde tínhamos observados os tordos-zornais, esperámos várias horas pelo regresso das aves enfrentando o frio cortante. Porém, os tordos só regressaram para um poiso breve durante parcos instantes, brindando o nosso companheiro Pedro Inácio com fotografias bem mais apresentáveis. 


O tempo passou e com ele a urgência dos afazeres e obrigações para além dos montes e das serras. O regresso foi com a certeza de redescobrir as sombras que se escondem em cada palavra aqui descrita em branco. 









Agradecimentos: Família Frade
                         Pedro Inácio






M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...