domingo, 31 de março de 2024

Pintassilgo de Páscoa




O canto do pintassilgo afugenta as nuvens escuras de Páscoa. Desta janela, rente solar, observo a dança das papoilas que se confundem com insistência das aves em fazer renascer deste domingo, um simples pulsar.

terça-feira, 26 de março de 2024

Mãe, consegues ver-me?

 


os teus olhos | estrelas distantes

os meus olhos | perdidos nos teus

olhos teus | pedras frágeis

olhos nossos | dançam errantes.

 

o mal roubou-te a visão e a memória,

fugiu da arrecadação da doença,

subiu escadarias até às tuas janelas oculares,

a mãe da minha miopia procura-te.


olhos dos olhos | dentro de nós.


sábado, 23 de março de 2024

Uvas cegas das tuas mãos

 

Por mais mimos com que te adorne

na visita ao cadeirão do hospital,

as dores não te largam o corpo,

o mal aperta o cerco, não te deixa em paz.

 

sem veres, procuras as uvas no prato,

os dedos trauteiam uma busca melodiosa,

por fim, levas à boca, porta dos afectos,

o fruto e o sumo dos teus quintais.

 

pedes dúzias de vezes: "filho leva-me para casa!"

eu respondo: "só o senhor doutor é que sabe quando!"

porém, no sentido das coisas indecifráveis,

apenas Deus nos acalma quando silencia o vento suão.

 



terça-feira, 19 de março de 2024

Dias dos pais



Pai, sei que me vês e que me ouves.
Neste momento em que o fogo  queima os cantos da minha boca e a ansiedade corroe-me os dedos. Chove no meu coração sempre visito a mãe no hospital. 

A mãe não sabe que dia é hoje, muito menos que horas são. Está atada numa cama e espera a minha visita para me pedir para vir para casa.
Mas tem consciência de que o amor e a saudade são fragmentos que não ocupam espaço nas paredes da alma. 

A doença da mãe é crua e cruel, deixa em ruínas o corpo e o cérebro. Captura a esperança lentamente. Eu nada posso fazer. Espero o que não quero conrontar. Tenho medo sempre o telemóvel grita.

Pai, sei que me vês e que me ouves!
Aconchega-nos nestes minutos, antes de adormecermos, mais uma vez, até ao nosso reencontro.


sexta-feira, 15 de março de 2024

Não era preciso tanto



Não era preciso tanto 

tamanha dor, insondável medo,

para acreditar em Deus,

e nos seus rendilhados indecifráveis.


veredas inscritas nos olhos vagos,

desta flor guerreira de raízes celestes

maior que uma galáxia Mãe,

anichada nesta cama de hospital.


minha Mãe, aguardo pela hora da visita, 

espero que Alguém me explique

onde fica o céu e quantos degraus

temos que claudicar e engolir em seco.


agora que a salmoura me recorda a lágrima. 

continuo sem saber o que fazer com esta senha na mão.


M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...