domingo, 29 de janeiro de 2012

Sioux e Jerome




Quando Sioux abraçou Jerome,
ele já tinha derrubado, pelas escadarias do metro, 25 homenzinhos e 22 mulherzinhas mais 5 estudantes, todos eles utilizadores do subterrâneo em hora de ponta.

No entanto Jerome,
não devia pedir desculpas pelas surpresas que se escondem curva do tempo,
ou nas escadarias que fazem um túnel parecer um abismo essencialmente para quem desce. São coisas que acontecem. Mas acreditem o que se passou foi somente isto:

A Jerome,
faltara-lhe dois degraus e um patamar de suporte, em vez da artimanha dos saltimbancos que lhe roubaram os sapatos e o juízo das palavras. Por isso, de braços abertos, Jerome deixou-se cair, ceifando aquela gente toda numa queda tão embaraçosa e colectiva, como se um dominó humano se tratasse. Ele ficou tão excitado por encontrar Sioux depois de tantos anos sem a ver que correu para ela com uma vontade terrível de a abraçar, sem reparar que havia muitas pessoas a subir e a descer as escadas, pessoas que estavam à sua frente, ao seu lado, no seu caminho e eram reais, carne e osso. Começou por derrubar uma, depois outra que fez cair as outras. Resultado de tal vontade de abraçar desmedida: um trambolhão com 52 pessoas.

A menina Sioux,
também ficou contente por reencontrar Jerome mas quando viu aquela multidão cair à sua frente, como tordos em dia de caça, desviou-se e deixou-os pousar. Afastou-se dos gritos, da confusão e tudo o que interessava naquele momento era Jerome. Ela estava cheia de dores nas articulações mas cada vez mais nova. Jerome atropelou e passou por cima de tanta gente para a abraçar; ela não não pode deixar de sorrir. O que mais se pode fazer?

A menina Sioux,
agradeceu o embaraço daquele acidente, aproveitando para recolher duas carteiras, um relógio e um telemóvel (desbloqueado) meros objectos que estavam prestes a cair à linha do metro. Um desperdício. A menina Sioux ajudou ainda duas senhoras idosas gémeas que tinham ficado por cima do monte dos caídos.

Jerome e Sioux cumprimentaram-se,
ficaram suspensos, olhos nos olhos, como se não se vissem desde a vida passada. Falaram do que faziam, para onde iam, como estavam, concluíram que o destino era tramado. Subiram as escadas e contemplaram a orgia de corpos amontoados depois da queda. Lá do cimo assistiram do topo aos gritinhos que no piso térreo ecoavam. Nada de grave. Umas escoriações talvez um ou outro entorse. Os passageiros do metro eram muito rijos e pouco a pouco começaram a levantar-se. Mas já sem pressa nenhuma. Passou-lhes a ânsia de chegar. Foi curioso constatar o seguinte – as pessoas começaram estranhamente a ajudarem-se: dê cá mão, eu ajudo a levantar-se, aleijou-se? olhe aqui os seus óculos, precisa de ajuda? Acções destas ficam tão bem, porém escasseiam nas horas de ponta ou noutra hora qualquer. Minutos depois do acidente apareceu o primeiro polícia. A queda colectiva foi registada. As câmaras de vídeo não capturaram a origem do acidente; apenas ficou gravado  uma pequena "hola mexicana" de braços no ar culminando numa espalhafatosa mancha de corpos estendidos.
De furto isto não tem nada. De simulacro suicida e colectivo muito menos.
Os bens ingenuamente recolhidos pela menina Sioux estão na Linha Azul, estação de São Sebastião, no sentido da Amadora, no topo norte,  dentro de um caixote do lixo, perto do segundo banco.

Jerome e Sioux,
ensaiaram a queda destino e depois foram às suas vidas. As pessoas que cairam na escada do metro não viram nada de extraordinário. Houve umas que até falaram numa estranha massa de ar que as fez cair. 
A próxima surpresa será no Bom Jesus de Braga.










Café Poema - Cartas de Amor e outros dias - 3 de Fevereiro - 22:00



Com o aproximar do dia dos namorados é normal que o coração apele ao romantismo e a escrita seja direccionada às paisagens dos afectos. Contudo, no meio desta parafernália tecnológica, onde o email quase substituiu a carta, o toque foi substituído pelo "touch", onde há concursos de mensagens para apurar o mais rápido a teclar, onde se abreviam os adjectivos, os pronomes e até a alma... 

Já agora, o gosto pelo papel, alguém o viu por aí?

No próximo dia 3 de Fevereiro, pelas 22:00, no Cappuccino's coffee Shoop vamos falar das Cartas de Amor na  Poesia por isso enamorem-se.


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

The meeting between Alfred Hitchcock and Edgar Allan Poe

Entre Allan e Alfred não havia assim tantas diferenças.
O mistério, o terror, o lado negro das palavras
serviam de pele aos dois homens que decidiram interromper a morte
e reaparecer...
Naquela noite Alfred e Allan estavam prontos para o duelo final
longe da cidade, numa clareira assustadora,
onde as árvores mortas eram estátuas de decapitados baloiçando os seus braços ao vento,
os corvídeos rondavam em círculos à espera do primeiro corpo a tombar,
enquanto os gatos negros esperavam pelo desfecho da história para se banquetear.

Eles sabiam que aquilo tinha que terminar,
e por isso decidiram marcar um duelo para por fim à especulação a ao mistério
que envolvia a obra das suas vidas depois das páginas de tantas mortes;
sem mestre de cerimónias nem padrinho de outras sortes
marcaram data e tiveram como armas a especial oferenda de Buffalo Bill:
duas espingardas “Lucretia Borgia” brilhavam prestas a sangrar a primavera.

Allan e Alfred estavam prontos para morrer uma segunda vez.
Mas desta feita tinha que haver um vencedor.
É verdade, entre eles não havia tantas diferenças assim ou má rés
contudo, mal ao bem, não podiam perpetuar que a culpa tivesse um sucessor

A duzentos pés de distancia os homens apontaram as armas um ao outro
Depois ao primeiro piar do corvo ouviu-se dois tiros das bocas de fogo
E por entre a névoa desapareceram os dois amigos abraçados num dialogo que versa assim:

- Com o que anda para aí, se fosse hoje.... não tinha medo de nada.
- Do medo meu irmão... resta a chave com que fechas os teus olhos à noitinha!

domingo, 22 de janeiro de 2012

In versos - Antologia -




Foi editado no final de 2011, pela editora Edições Ecopy, a Antologia de Poesia In Versos, na qual participo com o poema Velocidade. Para mais informações podem contactar as Edições Ecopy que desde já  felicito por mais esta excelente iniciativa.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Há quanto tempo não fazias isto?







Não havia maneira de nos encontrarmos a não ser por acaso. 
Foi o que fizemos; combinámos um encontro que fosse completamente fortuito, produto de uma coincidência entre o tempo e o espaço de cada um. Combinámos o local, a hora, as roupas que cada uma de nós iria vestir, o que iríamos dizer, porém para não alimentar expectativas, ressalvámos a hipótese de nada disto acontecer. Eu podia adoecer e tu podias ter mais que fazer. Ou então desistíamos de nós, porque já não nos apetecia habitar o corpo de um animal há muito tempo ferido. Ser dois custa muito e dói ainda mais. 


O encontro ocasional, foi numa grande loja do Chiado, perto da secção de Poesia erótica. Tu chegaste e com os dedos ainda molhados da chuva de Domingo (chove sempre no meu fim-de-semana) desfolhavas um livro com um título escandalosamente curto para ser poema. Eu espreitei por cima do teu ombro (o teu cabelo cheirava a maça) e apontando para a capa, perguntei:



“Há quanto tempo não fazias isto?” 


Tu com olhos grandes onde cabiam tantos comprimidos para dormir (continuas a usar as minhas coisas, até o meu lápis sombra com o qual "mal" pintas os olhos) respondeste: 

“Isto, o quê?” 

Eu reforcei: 

“Há um ano,  dois anos? Sabias que quando duas mulheres dormem juntas, durante anos, até os ciclos menstruais coincidem. É uma questão de tempo e de espaço. É biológico.

Tu olhaste em redor e disseste: 

“Biológico ou não…. Não vamos falar disto em público!” 


Toquei no livro que estavas a percorrer com o olhar, e reparei que o corpo nu que estava na capa pedia mais que uma palavra. 

Hesitei, não queria estragar o momento. Não dissemos mais nada. Um sorriso de cumplicidade bastou. Foi assim que nos conhecemos e será assim que iremos esquecer tudo o resto. 



Agarraste-me na mão e depois de um beijo tatuado no teu pescoço, fomos página.


(Fora de qualquer tipo de ficção literária, apresento a fotografia seleccionada na 2ª Maratona Fotográfica do Metro de Lisboa. O meu obrigado às modelos.) 





segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Merkosy

É vê-los de mão dada e outros de mão estendida
em ósculos tímidos e apertos de mão implicados
perante os desígnios maiores de um espaço comum
mas nunca fiando em vender o Fado por tal jugo emprestado

Não olvidemos os farrapos de cinza ensanguentada
em que nos deixaram depois das invasões beligerantes
pela pérfida conquista das fronteiras e de sonhos doentios.
dizeis vós: “mas isso já lá vai...”
contudo, se a ameaça é um factor que devemos ter em conta,
e pela impermutabilidade com que os factos ocorrem,
na Europa existem duas faces de um ser mutante que me preocupam:

chamam-lhe biótico, antibiótico, anedótico Merkosy
e dizeis vós: “ai se as comadres se zangam...”
só esperemos que a história não se repita.

Não era preciso tanto

Não era preciso tanto sofrimento, tamanha dor ou insondável medo, para acreditar em Deus, e nos seus caminhos indecifráveis. veredas inscrit...