segunda-feira, 28 de junho de 2010

Café Poema - desassossego -


Café Poema 09072010 
 
É já no próximo dia 09 de  Julho, pelas 22:00,  o próximo  CAFÉ-POEMA denominado DESASSOSSEGO, no Cappuccino´s Coffee Shop, em Carcavelos.
Convidados: FUN TIME, com o espectáculo de stand-up comedy VIRADOS DO AVESSO. A não perder! E já agora... Traz um poema e um desassossego que queiras sossegar.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Ribeira













de volta ao epicentro da mais bela flor
os anos passaram pela Ribeira e pela juventude dos seus habitantes
num caudal de águas sempre renovadas e hortas penteadas de verde
as treze (13) pessoas que lá vivem
já não são as mesmas, são outras
talvez mais belas, talvez mais transparentes,
de gestos curtos e sorrisos contidos
saudamo-nos como se estivéssemos a jogar àquele velho jogo
( passa ao outro e não ao mesmo )
assim é a crueldade assimétrica dos verdes anos
sempre que cordialmente dizemos
eh pá... estás na mesma!
mas não é bem assim,
o tempo passa e faz os seus estragos
por isso é inevitável que deixe cicatrizes à passagem.

voltando à Ribeira,
as poucas casas que ainda respiram
já não são casas, apenas magníficos estilhaços ornamentais
suportados pelas paredes que teimam em não cair
erguidas no cimo de um vale de pinheiros altos
( tão altos, como se eu estivesse a observá-los do cimo
e tudo me parece-se belo e frágil, em miniatura de recorte indizível )
fazendo-me lembrar os anos em que brincava na fonte
a fonte, que já não é fonte, apenas silvas e mato rebelde
( ervas convencidas que não ardem )
onde escarafuncham bichos camuflados de noite
( convencidos que não são bichos )
quando era menino
brincava com as rãs e com as salamandras no tanque do qual se fazia rega
o tanque, já não é tanque, foi engolido pelos eucaliptos e pela cauda do esquecimento
às vezes é preferível seguir e não olhar, continuar como se nada fosse
nisto, de tanto caminhar para longe,
pareceu-me ouvir a voz dos meus Avós
( chamamento brilhante )
no assobio da brisa do fim da tarde
vindo lá do fundo das acácias onde uma mancha verdejante
permanecia intocável pela saudade dos abraços
e lá fui
como quem desce os Casais e se aproxima da Ribeira
sempre a descer por uma estrada de gravilha em vertigem
( é tudo sempre a descer )
aos meus pés,
as cobras que por atropelamento vinham morrer junto à estrada,
avisaram-me que o caminho não era por ali.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago 1922 - 2010




e o que fica?
( a falta )
do Homem em escrita desassossegada de tantas vidas
( que não cabem numa vida só )
e mais do que todos os nomes
( um nome )
mais do que todos hiatos ou momentos
( um universo )
e mais que caligrafia da memória
( Homem-artesão-da-Palavra )
que assim não tem fim perecível
( nem nunca nem coisa alguma )
tão pouco um fim inevitável imposto pela lavra
( de uma história )
não fosse o virar da curva do sempre um caminho tão curto
( desta tua página de horizonte )
só ao alcance daqueles que o fazem escrevendo fora do tempo
alma inquieta de ideias
( sempre viva e sem ponto final )

quinta-feira, 10 de junho de 2010

espero que encontres tudo aquilo que procuras


e no banho,
das mãos que raramente eram suas
corria um fio de água turva,
até se formar uma poça de espuma e recobro onde o ralo era confidente,
ao mesmo tempo que uma voz-pensamento não lhe saía da cabeça
qualquer coisa vinda de nenhures, diria até mesmo, se calhar de outros tempos ou de outras vidas, rezava mais ou menos assim:
“espero que encontres tudo aquilo que procuras”
saiu de casa à pressa deixando as feras dos livros a roer o pó da noite
e atravessou  a correr o velho bairro bombardeado pela radioactividade dos obuses,
até chegar aos escombros da estação de comboios de Benfica,
onde várias viúvas carregavam às costas sacas de lenha roubadas ao fogo de Monsanto.


já no apeadeiro aproximou-se da linha branca pintalgada de sangue que dividia o abismo do chamamento mortal.
uma voz robótica advertia para a passagem de um comboio ultra-silencioso quase fantasma:
“ Senhores passageiros, vai dar entrada na linha 2, um comboio rápido que não efectua paragem, desejo que encontrem tudo aquilo que procuram”
deu dois passos atrás e acendeu um cigarro,
passados quinze minutos entrou no comboio seguinte e deixou-se ficar a um cantinho sem dizer nada, apenas respirando o bafo azedo dos mutilados da guerra que a seu lado contavam histórias sem história.
fechou os olhos e minutos depois a voz da besta de ferro comunicou:
“ próxima paragem x, cuidado com o degrau,  (sete minutos depois a mesma ladainha) próxima paragem y e cuidado com o degrau”
por fim, chegou ao cais que se erguia de um emaranhado de vigas de aço numa construção industrial semi-destruída,
saiu disparado.
nas ruínas da estação de Entrecampos correu levando atrás de si várias corpos empalhados pela hora de ponta que se desfaziam em pasto húmido debaixo dos seus pés.

entrou num túnel. uma garganta escura engolia a chusma dos penitentes atrasados para o juízo final.
o metro e com ele milhares de mãos, de pés, de bocas, tudo o que odiava. em silêncio até que,
ouviu uma voz mecânica a ecoar pelos túneis :
“é proibido fumar em toda rede do metropolitano e espero que encontrem… “
um apito, dois apitos e um sinal sonoro. lá estava ele.
entrou na segunda carruagem da lagarta subterrânea onde manequins plásticos
amontoavam-se dependurados no varão do vestíbulo,
uns contra os outros numa orgia consentida pelos solavancos da viagem.
de forma prática, decapitou uma boneca que sorrateiramente infiltrava-se no meio das suas pernas.
a voz da lagarta subterrânea anunciou próxima estação:
“ Marquês de Pombal. cuidado com os vossos haveres. espero que encontrem tudo aquilo que partiram à procura”

saiu da gare no meio de uma nuvem de fumo castanho e na rotunda deserta, ao lado do que restava da estátua do Marquês, estava uma mulher bem vestida com uma mala preta na mão.
aproximou-se e perguntou:
o que fazes aqui?
ela respondeu:
como estás? faz tanto tempo que…
e ele disse:
então sempre te encontraste?
depois seguiu-se uma explosão feito clarão azul de halo róseo
e a cidade que eles destruíram apagou-se do mapa.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Na sombra dos dias quentes de além tejo em brasa
um velhote fumava tabaco de enrolar sentado no rebate da casa 84
com o vagar de quem tem todo o tempo para adiar
nada que possa ser mais urgente que a própria espera
entre o sarro de uma cuspidela para o lado e uma festa no cão magro
o homem de uma incerta idade suspirava
até que...

oh tu que fumas...quando fores fantasma o que queres ser?
perguntou a virgem moça que brincava às escondidas
entre a cal da parede descascada e a sombra que morria na tira azul da casa
o velhote tirou os óculos e ajeitou a boina descolorada pelo sol razio
ouve-lá...não me estás a ouvir? quando fores fantasma o que queres ser?
insistiu a virgem moçoila a modos que, como quem não quer a coisa, à laia de
provocação ou tentação não fosse ela tão bela mais bela que as coisas que não o são.

Ele tirou do bolso do casaco um lenço branco com cruzes e brasões
passou pela face suada e segredou lá para os seus botões
ah homem do diabo mesmo velho acabado saíste-me cá um safado que não pensas noutra coisa senão em coisa nenhuma
és tentado à tentação pelo pensamento tal não é tesão
pois que para a tua idade se pensas ainda brincar é melhor nem tentar
Como o velhote olhava para o lado oposto enquanto apalavrava a intenção
onde a a virgem moça loura ou ruiva morena tanto faz como tanto fez
ela não teve de modos e partiu a loiça toda foi uma veneta que lhe deu
pôs-se em bicos de pés e respondeu

estou aqui! és surdo ou quê? estou a falar contigo!
como o velhote nem sequer fez sentido
ela pulou e ela pinchou com as mãos à cintura e ar de birra despida

O velhote levantou-se calmamente olhou para trás arrabalde de nenhures
onde a rua se transformava num fio de horizonte em vida
depois deu dois passos pesados e avançou
que por aquelas bandas já se fazia tarde
Jovem moça foi atrás dele e puxou-lhe pelas calças,
o velhote como já lhe custava andar, não notou que algo lhe detinha o passo

e pé aqui pé acolá dirigiu-se para a porta 85 sua vizinha
onde o esperava o padre cura morgue
que tal como ele não ouvia lá muito bem
e os dois faziam orelhas mouco
não ligando muito às insinuações do vento louco
enquanto a jovem moça andava numa fona
às voltas como uma matrafona da feira de Aljustrel
e lá ficaram os dois a rir à sombra do chaparro nobre
lembrando de tantos e tantas que enterraram e que ainda reclamam por desforra
desta para melhor tamanha sorte.

Não era preciso tanto

Não era preciso tanto sofrimento, tamanha dor ou insondável medo, para acreditar em Deus, e nos seus caminhos indecifráveis. veredas inscrit...