sexta-feira, 24 de setembro de 2021

O bico dos falaropos

 


Partimos em direcção a Esmoriz na esperança de fotografar duas espécies de falaropos que por lá tinham sido avistadas. Alinhei na aventura, uma vez que estava assegurada a boa companhia e o saudável convívio entre companheiros. Antes de entrar no carro, abrimos as hostilidades badalhocas, com algumas antologias fálicas sobre o bico das aves, o que nos levou por minutos de risada fácil. Galgámos quilómetros, pusemos a conversa do olhar em dia, como se o tempo se estivesse a esgotar; estilhaços colaterais desta pandemia que ainda por aqui se faz sentir.

Horas volvidas, chegámos ao local. Calcorreamos os belos passadiços da Barrinha de Esmoriz, porém, aqui e ali, a precisar de algumas reparações. De máquinas e tripés às costas caminhámos até a uma zona dunar, próxima da praia, onde as aves tinham sido observadas no dia anterior. Durante o caminho sentimos o folgo e o riso dos ciclistas, o cantar dos escuteiros, o anonimato furtivo do treinador de futebol, alguns corredores de passada larga, e outros que por ali usufruíam do contacto com a natureza e as coisas simples do respirar.

As minhas pernas queixaram-se das subidas e descidas nas dunas, mas nada que o coração não soubesse aguentar e lá bombeou o espírito do sangue para mais uns metros. Com  o coração na boca consegui lá chegar.

Quem quiser fazer a totalidade dos Passadiços de Esmoriz, prepara-se para 8 km num percurso circular, ladeado por zonas húmidas de importância vital para a biodiversidade local, inseridas na Rede Natura 2000. Por certo valerá a pena!

Depois das dunas altas, encontrámos observadores com os seus telescópios e fotógrafos deitados na areia, não a apanhar banhos de sol, antes a tentar o melhor ângulo para registar as aves que por ali cirandavam. Cumprimentámos conhecidos, revisitámos amigos destas andanças e preparámos o equipamento. Após localizar os falaropos, lá me atirei para areia, (da qual provei o sal e a maresia) para depois da espera, tentar compor algumas fotografias que representassem os bichos e a felicidade efémera dos homens.


A simpatia do falaropo-de-bico-grosso e as suas manobras de aproximação.





O jogo de espelhos entre quem observa e quem é observado.


Um jovem fotógrafo e as suas aproximações às aves, enquanto o falaropo-de-bico-grosso compunha a sua pose de modelo.  



A ponte de um só céu. 


Até onde nos levam os caminhos interrompidos?


De quando em vez, dos passadiços surgia a sensualidade no principiar da curva.



Já nas duas, as duas espécies de falaropos, lado a lado, num bailado quase sincronizado.


Falaropo- de-bico-fino em harmónicas deambulações.







Outras aves por ali interagiam, como foi o estoico combatente, nada incomodado com a nossa presença






Agradecimentos:

Família Frade
Luis Arinto



quinta-feira, 23 de setembro de 2021

A raiva de um euro

 

(Um senhor, à frente do supermercado, vê-me a colocar as comprar no carro e pede-me um euro.)


Ah como fico irascível, cego, descontrolado, 

com os miolos a espreitar pela narina,

aperto o pescoço a quem não calo,

de ironia tão parva quanto fina.


bem sei cavalheiro… devia ser mais contido!

monossilábico, por mordomia, indiferente,  

mas se nada digo fico de corno despido,

com uma mão atrás e outra à frente.


tal falsa modéstia despertou a fúria e o veneno,

salguei a ferida da palavra e saboreei a crosta estaladiça, 

com estas ações tronei-me homem ainda mais pequeno,

que em coisas sem jeito tanto dinheiro desperdiça.


(Coloquei as compras na bagageira do carro, fui arrumar o carrinho vazio. Lá estava o senhor, homem muito maior que eu, de máscara na cara a deixara antever, rugas de expressão no olhar.  Ofereci cinquenta cêntimos ao senhor que me tinha pedido um euro e do qual ri e ironizei, não por estar a pedir, antes pela quantia exata que me tinha solicitado. O senhor não aceitou a minha moeda à primeira, contudo depois pegou nos cinquenta cêntimos para fazer troco a outro cavalheiro benfeitor, a quem à segundos tinha cravado a mesma quantia, a tal marota moedinha.) 


sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Por mais quantos segundos?

 



Os comprimidos vão acelerar o ritmo do sangue,

as tempestades cardíacas e as suas raízes,

amansaram as pedras silenciosas que trazes na boca,

ansioliticos coloridos acalmam as tuas fúrias contra o espelho. 


Por mais quanto tempo...

o sono ferverá no lume da manhã,

enquanto o pão enchesse de bolor e reclama pela faca,

os telefones tocam, cada um na sua vez,

e a campainha da porta afugenta o carteiro.


Deitado de rosto virado para o tecto solar,

da cabeça da cama até aos pés da praia,

a distância é curta mas tu sais.

não sei por mais quanto minutos, a casa não pede o divorcio

e vai viver com outra casa.


Na rua, sem chão, procuras uma nova vida,

quando o tempo não existe e o espaço é maleável,

tudo o que vemos é uma miragem de reflexos infinitos,

a que chamamos realidade - sofrível!


Por mais quando tempo...

continuaremos a perpetuar disparates,

a amar navios sem volta, 

faróis celestes de asa distante,

a querer voar dentro de bibliotecas em chamas?

tudo por causa de um rosto que nos alimenta a fome.


Depois disto, ainda não tenho chamadas Dele por atender.



 


M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...