segunda-feira, 25 de julho de 2016

Um homem o Alqueva e um livro








O homem que tenta suster o Alqueva com um livro,
empurra as águas prometidas para trás das costas,
quando as costas são um mapa das dores secas
e as águas, lágrimas e suor de enchentes solitárias.

Ao seu lado as árvores crescem dentro de água,
imitando a sorte dos velhos solitários
e das casas com telhado de via láctea
num murmurar de vidas em jogos em dominó.

De quando em vez, na memória da brincadeira,
ouvem-se crianças a povoar sorrisos,
o chapinhar dos pés em arpa melódica,
não é mais que uma frequência radiofónica perdida.

O homem que tenta suster o Alqueva com um livro,
em fúria, arranca todas as folhas e atira-as ao vento suão,
depois emerge no vagar do lodo inscrito das histórias
e espera que o salvem como fizeram com a terra submersa.



terça-feira, 12 de julho de 2016

BioMelides: Tartaranhão-ruivo-dos pauis (Circus aeruginosus)





O tartaranhão-ruivo-dos pauis (Circus aeruginosus) é uma ave de rapina que podemos observar nas imediações de Melides. Em busca das suas presas (pequenos mamíferos, aves e gafanhotos), este tartaranhão sobrevoa os arrozais e os terrenos húmidos contíguos à lagoa com um voo ondulado e a baixa altura. Apresenta um corpo acastanhado, cauda comprida, asas cinzentas e longas com as extremidades pretas. Os tartaranhões caracterizam-se por um dimorfismo sexual, onde a fêmea exibe uma plumagem acastanhada com a parte superior da cabeça creme. Infelizmente a tendência populacional desta espécie no nosso país está em declínio continuado.







segunda-feira, 11 de julho de 2016

E porque somos...Campeões Europeus de Futebol!



O povo saiu à rua para colorir a noite de vermelho e verde e dar voz a uma nação que por instantes esqueceu outras dores e foi feliz.

Gosto de futebol. Sempre gostei. Tenho o meu clube mas é na selecção nacional que revejo a unanimidade de um  povo, em torno de uma nação; uma língua inteira a saborear a casa do mesmo fado - Sofrer e até ao fim. Mas valeu a pena, não pela vingança fria desportiva que aparta os fortes da razão  mas antes pela comunhão entre heróis de um rectângulo à beira mar plantado. 
Foi muito bom calar a Europa, que agora fala de sanções económicas ao nosso país para esquecer o impulso que nos faz saltar da cadeira como uma mola e gritar Portugal! Portugal! Ser Portugal. 
Um povo que por necessidade teve que emigrar para procurar novas oportunidades. Por vezes, com escárnio, fomos tratados como "pequeninos"  carpinteiros, ladrilhadores, pedreiros, porteiras, senhoras da limpeza,... É verdade somos obreiros com muito orgulho! Fazemos aquilo que outros não querem fazer. Reconstruímos países e sonhamos!  Para depois, voltar a casa com o fado da saudade mas sempre a sorrir. 
Este foi um feito histórico. Não me recordo de outra manifestação popular de ampla e explosiva alegria que una pelo mundo toda a lusofonia. Foi a bola que nos fez pular mas também foi a alma de ser Português que nos fez voar e descobrir.

Temos que continuar acreditar que somos capazes e fazer acontecer sonhos!














quarta-feira, 6 de julho de 2016

O namoro da cobra

Para combater um final de tarde demasiado calmo decidi fazer uma caminhada. A temperatura amena apelava ao exercício físico e à redescoberta da última luz do dia. Levar ou não levar a máquina fotográfica foi a questão que facilmente respondi, quando olhei de soslaio para a pequena mochila aberta e cheia de esperança. Atrás de mim a porta fechou-se e a rua era enorme.

Depois de atravessar um terreno baldio, verifiquei que o mato estava aparado, perfazendo um caminho fofo de ervas secas. Prossegui com o intuito de fazer pelo menos 4 quilómetros. Pelas veredas encontrei algumas borboletas irrequietas e andorinhas com os seus voos rasantes mas nada colaborantes a uma amigável foto. Continuei até que cheguei perto de uns bancos de pedra onde outrora os namorados declamavam poemas e carícias. Eu fiz parte desses casais. Lembrei-me desse tempo e retive-me por alguns instantes a reviver esses momentos. Depois de revisitada essas memórias reparei que algo próximo de um banco se elevava no ar em curvas aéreas. Inicialmente pareceu-me a cauda de um felino, porém abandonei desde logo essa parecença pelo reflexo brilhante que a dita cauda imanava. Há distância que me encontrava, ainda tentei com a máquina focar, porém não consegui. Dei mais uns passos e...

Não podia ser uma cauda de um felino porque, por norma, a cauda dos gatos têm pelo, salvo honrosas excepções, mas acima de tudo, e por enquanto, os gatos ainda não brilham. Muito menos seriam ratos rapados ou cães depilados. Fosse como fosse, não era uma mas sim duas coisas escuras, erectas e brilhantes, numa dança curiosa e compassada. Aproximei-me até perto dos bancos de pedra e fiquei fascinado...

Ali estavam duas cobras-de-ferradura (Coluber hippocrepis) a namorar, enroladas uma na outra, num acto de entrega e cumplicidade, onde outrora amantes se comprometiam de intenções. Confesso que ainda pensei se não seriam um casal de namorados enfeitiçados, transformados em mitológicas serpentes. Deixei-me de disparates e tirei uma fotografia, e claro nisto de intimidade e juras eternas, ninguém gosta de ser interrompido nem incomodado. As cobras notaram a minha curiosidade. Por momentos eu e o improvável casal perdemo-nos em olhares cruzados. Chamado à razão, rapidamente fiz um novo registo, a foto ficou em contraluz, Tentei uma outra abordagem e disparei mais algumas vezes. Todavia as cobras enamoradas não tiverem para perder mais tempo comigo e fugiram para o meio do mato. Olhei para a máquina e fiquei contente com o resultado, não tanto pelo recorte estético da fotografia, antes pelo momento único vivido. 

Continuei a minha caminhada, quando regressava, o namoro das serpentes prosseguia no mesmo local e com mesma intensidade. Abusei da sorte ao voltar à carga estúpida da ganância fotográfica. Mal se ouviu os primeiros disparos do obturador as cobras desapareceram abraçadas sem braços ou mãos que as atrapalhassem. 

Fui à minha vida com esta história para contar e as serpentes por certo com um conselho para orientar aos seus descendentes:

Nunca namorem onde outros se enamoraram.




















M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...