sábado, 27 de abril de 2024

ao 7º dia




Mãe, agora que me faltas,

respiro numa busca espontânea

a tua ausência de cristal

quando resistias na leveza de uma pétala.


Procuro-te nas nossas rotinas, naquela ida às compras,

nos corredores abandonados do supermercado,

no assento esquerdo do carro,

nas tuas boas noites que me serviam de ansiolítico.


Também no linguajar das correntes de ar e nos sinos de vento,

nas praias onde me ensinaste a construir sonhos de areia,

no teu quarto onde está o pote com as tuas cinzas,

tapado com a tua mantinha preferida de ninho.


Na tua janela que continua com o estore a meio,

para que vejas o espreguiçar dos ramos verdes,

do canto dos pássaros cá de casa e na luz...

que no fim da tarde alimenta os poros da porta.


Ou nos sensores de movimento que acendem luares,

quando passo à tua procura  entre a membrana das paredes,

uma casa tão vazia que estende em deserto

ou nas tuas fotografias que ganham raízes nas minhas artérias.



sábado, 20 de abril de 2024

M22

 



Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol

imaculado como uma flor ainda sem nome,

há dias em que as palavras são audíveis rasgos de esperança,

outros, os opioides engolem-te para dentro de um anel de silêncio.

às 17:45 apanho o autocarro M22 que desembarca no hospital,

são 40 minutos em que observo o movimento de outras vidas,

de outras estradas, das casas que vão desaparecendo em contagem decrescente,

depois de o caminho estar feito, falta-nos dias em que reinámos mundo.

Mãe ninguém sabe quando passa o próximo...





sábado, 6 de abril de 2024

papoila de corda


as papoilas vivem o tempo suficiente para secar uma lágrima interior.

a luz primaveril enxagua as cores que nos faltam nestas planícies diárias. 

não sei dos meus óculos. creio que tenham vontade própria quando refugiam-se dentro de imagens que nunca vou ler.

ao 7º dia

Mãe, agora que me faltas, respiro numa busca espontânea a tua ausência de cristal quando resistias na leveza de uma pétala. Proc...