terça-feira, 21 de março de 2017

ARMS





No fim de tarde de pensamento calmo,
caminhava  pelo lado esquerdo da rua,
protegido pelas ramificações silenciosas das árvores, 
seguindo incógnito e sombrio o rasto das osgas,
junto ao muro da fábrica de interruptores bilingues.

Porém, sem saber bem porquê,
mudei para outro lado da rua, perto da esplanada,
onde passam a correr os putos que transportam a escola às costas;
aquele passeio junto aos prédios onde moram pessoas e problemas,
em comunhão desfeita com outros problemas e outras pessoas.

Este é, sem dúvida...
o lado mais luminoso da rua, onde a noite chega mais tarde,
muito depois de anoitecer no lado esquerdo de qualquer rua do mundo,
o lado direito tem mais luz, tem mais cor e mais gente encaixotada,
não e uma questão política, é apenas uma opção entre um lado do passeio.

E quando avançava tranquilamente pela direita,
surge a surpresa e o abalo das recordações perenes
ao ver ARMS à minha frente sentada na esplanada, 
22 anos depois de nos separáramos ainda miúdos,
e de nos maltratarmos para o resto dos nossos dias,
tal não foi a implosão daquele amor.

22 tempos de juventude e mil possibilidades, 
na altura a vida tinha uma cor e um peso diferente,
anos antes...
a fábrica interruptores bilingues dava emprego a muita gente,
a minha mãe e a minha tia lá esgotaram saúde,
a sirene que chamava os operários ecoava pela vila,
às vezes fundia-se com os sinos da igreja.
não sei se havia esta esplanada mas já existia o bairro novo,
e grandes borboletas que queriam comer osgas...

ARMS...
de rosto afiado e olhar felino,
há 22 anos lembro-me da tua ilha,   
juntamente com os longos cabelos de primavera
corpo esbelto de menina, tangente perfeita ao fruto 
e hoje, sem saber porque raio de destino enviesado, 
eras tu que estavas no lado direito da rua 
e eu à tua frente  do lado improvável do acaso.  

Durante segundos olhámos os segredos que a pele emudecia
depois procurámos a cor de um abismo que nos fizesse desviar o olhar,
num desmando autoritário para com as pedras da calçada,
porque só elas sabem ARMS...
a água que sulcou esse chão de vento.







sábado, 18 de março de 2017

Orquídeas de Março



Março trouxe o sol desafiante e revigorador que se insurgiu contra o frio, num apelo claro ao contacto com a natureza e com as suas inesperadas surpresas. Depois de várias incursões pelo Parque Florestal de Monsanto, fui coleccionando registos de orquídeas que surgem na linha temporal do terceiro mês deste ano, e que embalam de beleza e melancolia o eixo laminado dos restantes dias. 


Erva-vespa (Ophrys lutea)


Erva-mosca (Ophrys bombyliflora



Cephalanthera longifolia


Barlia robertiana (Himantoglossum robertianum


Gennaria diphylla 




quinta-feira, 16 de março de 2017

Coelhos do Jamor


Tenho que andar muito, fazer muitas caminhadas, muitos quilómetros para combater uma maleita que me irá atormentar se não o fizer. Foi com esse intuito que palmilhei os terrenos contíguos ao Centro Desportivo Nacional do Jamor, levando comigo a minha pequena companheira de caminhadas - uma velhinha máquina fotográfica, não fosse surgir algo que me fizesse arrepender de a ter deixado em casa. Foi curioso observar toda uma multidão activa em torno de um complexo desportivo, gente das mais variadas classes etárias ou estratos sociais, a exercitar os músculos em plena comunhão com a natureza. A meia-idade endinheirada jogava golfe; no outro campo, os rapazes voavam em terríveis placagens de râguebi. Mais acima, dois sexagenários subiam e desciam heroicamente as bancadas desertas, enquanto nos trilhos, as meninas corriam  de cabelo apanhado e leggings de justa curva. Confesso que gostava de desatar a correr por aqueles campos a fora, qual desvairado maratonista, mas resfriei esse impulso para outra oportunidade e deixei esses feitos para quem se treina afincadamente, obviamente não é o meu caso. No Jamor foi bom constatar que existe uma população fervilhante e crescente num treino global. Não muito longe dali, num dos terrenos ao lado dos campos de golfe, fazendo fronteira com os campos de râguebi, vários coelhos-bravos (Oryctolagus cuniculus) assistiam às movimentações dos humanos, ao mesmo tempo que a sua natureza se exercitava nas práticas mais elementares de sobrevivência e boa disposição.











sexta-feira, 10 de março de 2017

Aves da Praia das Avencas / Parede


Sim eu sei, devia ter escrito este artigo em Novembro último, contudo tal não foi possível. Porém, não queria deixar passar o momento em branco, pois foi com enorme satisfação que registei o regresso das seixoeiras à minha praia; que é como quem diz à Zona de Intervenção Biológica das Avencas. 
A última vez que as observei esta ave por aqui foi em Outubro de 2013 como é relatado neste escrito. E com 4 meses de atraso...


Fotografias de 10 de Novembro de 2016










sábado, 4 de março de 2017

Aves da Quinta da Alagoa - Corvo-marinho




No regresso de mais uma caminhada passei pela Quinta da Lagoa em Carcavelos, onde observei um corvo marinho (Phalacrocorax carbo) a sobrevoar o lago para depois poisar em cima de uma pedra. Já tinha fotografado muitos corvos-marinhos em vários locais, mas nunca nenhum em Carcavelos. Tentei a minha sorte, lentamente aproximei-me da ave que estava entretida a secar as penas. Quando me preparava para registar o momento, ouvi um comprometido risinho a escassos metros de mim. Sob a protecção de um quiosque encerrado estava um jovem casal de namorados entusiasmados numa cega troca de beijos e carícias e eu com uma máquina fotográfica na mão, qual paparazzi... Bem, eu não queria interromper nada, ainda pensei sair dali e escolher uma outra abordagem da ave. Eles olharam para mim e para a máquina com desdém e indiferença de quem tinha mais que fazer, para depois, de mãos e pernas entrelaçadas, trocaram de línguas num osculo apaixonado. Eu estava literalmente no meio do corvo cupido e dos ardentes apaixonados, todavia não me senti intimidado pelo momento de cumplicidade alheia, e fotografei o que realmente me levou ali. A luz não era a melhor, porém o corvo foi um excelente modelo permitindo alguns ângulos curiosos. A vegetação desfocada em primeiro plano conferiu um curioso contraponto com o amarelo do bico e as matizes negras das penas. Quanto ao casal, suponho que continuassem enamorados como até então. Estava a sair do jardim, não fosse o chuva e o vendaval que se animou de repente, e ainda era levado a pensar que a primavera já tinha feito das suas.














Foi um bom regresso a este local. Tal como tinha escrito no ano passado, vale a pena redescobrir a biodiversidade do nossos jardins e ouvir as histórias com ou sem asas molhadas que têm para contar.



Não era preciso tanto

Não era preciso tanto sofrimento, tamanha dor ou insondável medo, para acreditar em Deus, e nos seus caminhos indecifráveis. veredas inscrit...