quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Boa companhia






Oiço um chamamento clandestino a ecoar pela casa. 

mais um passo e entro na câmara escura do quarto, 

onde um animal fêmea queima os lençóis de prazer; 

os seus longos dedos percorrem o interior das ancas num desejo eléctrico, 

a acção decorre em camara lenta e os membros não parecem ter fim, 

nem a massa corporal alguma vez terá principio reconhecível. 


Não consigo identificar aquele corpo, 

contudo, vejo as suas longas mãos a untarem as pernas com óleo de oiro 

para depois subirem pelo rebordo burilado do umbigo 

até à margem lateral do pequeno seio; 

estético e bem feito, tal e qual a morfologia do que parece ser 

um esboço fêmea desenhado no pó que voa, 

dou mais dois passos e aproximo-me. 


O ar rarefeito do quarto liberta o gemido das madeiras velhas, 

na mesa-de-cabeceira antiga repousa uma garrafa e dois copos, 

o animal fêmea vê-me encostado à porta e convida-me 

com gesto rápido, à junção das bocas num beijo de absinto; 

quando me sente próximo da cama, redopia duas vezes no seu ninho, 

eu avanço. 


No quarto está escuro, porém, mais escuro está dentro de mim. 

tento o interceptar o prolongamento dos afectos que me são dirigidos 

do animal fêmea apenas vejo o contorno dos lábios molhados, 

e a electricidade que se prende aos cabelos 

tudo isto faz parecer… um momento mulher. 


Dou um último passo e quando tento esquecer-me onde estou e porque vim,

ao apagar a luz o interruptor eléctrico morde-me,

o fundo de um copo vazio nunca foi boa companhia.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O Meo Kanal 747500 em destaque!



Caros amigos,

O meu canal está em destaque no Meo Kanal!
Para tal, basta carregar no botão verde do comando do MEO e digitar 747500

Vejam o trailer do canal aqui



A Natureza como forma de Arte



domingo, 26 de janeiro de 2014

Um cavalo num dia de chuva





Os cavalos que saltam dos teus cabelos são tão reais como os beijos que demos.
indomáveis  ao vento, nos minutos em que a chuva sabe a campo,
desfiados e húmidos como a fibra de um dióspiro nos lábios maduros de frio
e com isto esperámos a chegada do nosso tempo
naquelas tardes onde bebíamos chá e água da serra
aguardando que o comboio a vapor chegasse carregado de palavras e largura de poema 
nós, à beira da estação, víamos os passageiros fantasmas saírem das carruagens
e montarem equinos brancos para depois correrem em direcção à praia de Carcavelos.

Mesmo que isto nunca acontecesse e o amor fosse uma nuvem passageira, 
o sonho está ao alcance daqueles que olham o céu em dias de chuva
e vêem cavalos brancos em cada nuvem.
Ah! Como é bom partilhar a sede temporal de um dia. 
O mesmo espaço-tempo onde a margem da dimensão pouco importa.
e mesmo que a realidade seja a preto e branco, 
há sempre uma surpresa para os que dizem primeiro:
 Eu vi.



segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Coruja-do-mato (Strix aluco)


Estávamos em Agosto quando iniciámos uma viagem até à Reserva Natural do Estuário do Tejo, mais concretamente - Herdade de Pancas. O objectivo estava traçado: fotografar o Noitibó-de-nuca-vermelha (Caprimulgus ruficollis).

Os relógios marcavam poucos minutos depois das 21 horas. Por sua vez, os 16 º que se faziam sentir não anunciavam uma noite particularmente quente, ao mesmo tempo, a brisa fresca que soprava não deixava os insectos visivelmente activos. Segundo indicações facultadas pelos nossos amigos estávamos no local certo. Sem mais demoras iniciámos o trajecto pelos trilhos onde já tinham sido avistados os bichos. Os noitibós caçam insectos em voo, e permanecem poisados preferencialmente no solo, passando despercebidos devido a sua perfeita camuflagem. Sabendo disto, seguimos com muita atenção, a olhar para berma, percorremos a estrada de terra batida durante vários quilómetros. Na ânsia de os encontrar, confundimos a ave com pinhas e pedras. Todavia, depois de duas horas a conduzir em marcha lenta, a estrada tinha adquirido uma estranha aparência repetitiva e por vezes fantasmagórica. Das árvores altas fugiam esboços de sombras que iludiam os nossos sentidos. E nada de Noitibós. Com os olhos cansados de tantos enganos e já com alguma frustração nas palavras e nos silêncios intermédios, decidimos fazer uma última volta. Passámos perto de uma estrutura de rega e foi nesse momento que a noite coroou-se de boaventura. Para nossa surpresa levantou voo uma outra visitante nocturna, inicialmente não foi possível identificar que ave seria, mas depois de poisar num poste, não restaram dúvidas - era uma Coruja-do-mato (Strix aluco)


A ave não aparentou estar assustada, pelo seu comportamento, voava de poste em poste para depois voltar ao ponto de partida, presumivelmente estaria a caçar. Minutos depois, foi curioso verificar que outra coruja aproximou-se e poisou num poste mais à frente. Nós seguimos com cuidado e observámos este magnífico predador no seu trono nocturno. Porque o que vem da noite será sempre soberano, para fazer algumas fotografias, respeitámos a distância e o território do animal.

Assim é a vida; feita de escolhas, oportunidades e momentos certos. Com todas estas emoções esquecemos os noitibós, não fosse a coruja-do-mato lembrar-nos desta experiência única, quase diria: que saudades tenho eu do luar de verão!  


E os seus chamamentos?
Quando a noite acordou com o arrepio de um grito trémulo, até o medo teve medo dele próprio.


A coruja-do-mato é predador nocturno. Alimenta-se de pequenos roedores e insectos, nidifica em orifícios de árvores de folha caduca. É uma ave muito territorial e zela pelas suas crias de forma agressiva, não permitindo aproximação de intrusos. 


Um episódio verídico de um homem ainda com medo

Sobranceiros, às vezes, confiamos em demasia nos instrumentos humanos. Porém, a natureza rege-se por desígnios insondáveis, onde a lei do mais forte estabelece o ritmo e a força do instinto animal. 

Que o diga o homem, quando num trabalho de orientação cientifica, preparava-se para anilhar juvenis de coruja-do-mato que estavam dentro de uma caixa ninho. O homem não deu pelo regresso de um dos progenitores. E foi nesse momento que uma coruja atacou-o de costas, impiedosa, ao crivar as garras nas orelhas, rasgando-as de forma sumária e sanguinária. Depois foi vermelho sangue em queda e medo. Por certo, o homem não pode criticar a ave que zelou pela segurança do seu ninho. Tal como ele o faria se sentisse ameaçado.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Ainda sobre




Ainda sobre o nosso abraço,
quando foste embora, olhaste 3 vezes para trás e sorriste. 
fiquei imóvel, fixado em ti, até que tudo se transformou em vazio;
e desapareceste do prolongamento dos olhos,  
branco página, boca sem asa, voz sem canto, porta sem casa. 
E de repente do céu que nos expiava,
choveram pequenas letras negras, maiúsculas e minúsculas,  
num abecedário de combinação improvável,
cobrindo toda a realidade,
muito para além da paisagem ou do espaço finito dos corpos.

Para meu espanto, do chão coberto pela conjugação do novo alfabeto,  
as folhas caídas de outono subiram lentamente
para os ramos das árvores forradas por mil letrinhas;
eu sem saber o que fazer com esta alma inquieta,
escrevi-te ainda sem saber o que escrever 
na casca dos frutos voadores - um desejo. 
- até um dia flor.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Até Sempre Eusébio!


Eusébio da Silva Ferreira
(1942-2014)


Neste momento... 
há uma esfera que salta de estrela em estrela
e Tu foste luz e grito, mesmo quando o grito foi Portugal,
felino cativante, sempre humilde, de sorriso posto,
ao desafio constante, muito para além do face do jogo,
ou dos golos inesquecíveis da memoria dos dias; 
Tu foste singular de remate certeiro - eco universal.

Mais do que a proa de um país,
alma pura de uma gente,
pontapés na bola em forma d´arte,
rosto sincero de uma saudade antiga,
serás sempre futuro, firmamento, presente. 
porque do povo vieste povo 
e dos reis foste e serás sempre Rei.





sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O caminho







Entre o aqui e o agora,
entre a falta e a urgência,
ou entre a quimera e a recordação;
que caminho seguir?
 Perguntou a sombra ao corpo, antes de mais uma queda
 - A última disse ele.



Não era preciso tanto

Não era preciso tanto sofrimento, tamanha dor ou insondável medo, para acreditar em Deus, e nos seus caminhos indecifráveis. veredas inscrit...