sábado, 26 de janeiro de 2013

Gato Salvador

a elegância curva e a destreza esguia,
na forma como te equilibras
entre a aventura e a solidão,
faz-me pensar que tens magia no olhar
quando me pedes que não vá embora,
que continue mais um pouco nesta festa de ritmo certo
numa sintonia para além dos noturnos afetos da lua,
eu contemplo a tua graciosidade de esfinge perfeita
quando tornas-te maior do que os gestos imagináveis,
e de língua áspera por tantos segredos partilhados,
tocas-me na ponta do nariz num arrepio breve.

foi assim que um gato velho salvou-me o dia
tornando as coisas que eu não compeendia
em factos tão simples, meros acasos sem importância; 
ontem voltei ao mesmo local onde o tinha encontrado pela primeira vez,
mas ele já não estava lá.
como um verdadeiro gato de encantar ele vai e volta
e nem sempre permanece sete vezes no mesmo local,
isso explica quase tudo.
 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Ainda de madrugada


sinto um animal vazio a espernear na cama;
ao acender a luz acalmo o torso rebelde dos lençóis,
o candeeiro projeta sombras disformes dos seres que abandonaram os livros de cabeceira,
no canto do quarto, em cima da cadeira manca de um pé,
vejo a dança feliz da roupa que despeja o corpo da sua morada,
mais à frente, dentro da boca do guarda-fatos,


os cabides pendurados ostentam as fragilidades dos tecidos por usar
e por baixo, as gavetas lacradas em pó de alma sussurram nomes por abrir.

ainda de madrugada sento-me na cama e pergunto; "o que faço aqui? "
para depois caminhar descalço por uma casa que começa e termina num corredor,
palmilho as paredes onde mãos de cal fazem-me sentir o frio da urgência
“tenho que sair o quando antes, senão ainda acabo como eles!”
“corpo-casa-corpo”
arrasto-me até a extremidade mais distante deste casulo,
onde habito, às vezes, tantas outras vidas fora de mim,
num ato rápido recorro a uma mortalha liquida para incentivar a lucidez,
a torneira principia um dialogo que termina no espelho em bofetadas de água;
“casa-corpo-casa”
a lâmina de barbear corta a pele
e só assim consigo terminar"-me" por hoje
o que ontem comecei.






terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A tua casa





espero que acordes e quando acordares
espero vejas e quando vires
espero que leias e quando tiveres lido
espero que sintas...
que não estás só
mesmo que nunca lá tenhas entrado;

a casa de todas as casas
não tem uma só porta nem uma única janela,
não tem vista para o mar nem está virada para as estrelas,
a casa de todas as casas não é a tua morada
só porque está lá e porque existe mau tempo cá fora
mas sim porque serve-te de abrigo,
mesmo que não esteja a chover e não te apeteça ouvir as suas palavras.

um dia quando acordares vais dizer-me como te sentes:
no aconchego e na eterna dúvida de lá estar.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O Natal é já amanhã


O Natal já passou e já estou cheio de saudades. Sim é verdade. Que mais poderia fazer no dia 24 de Dezembro? Para além de sonhos e rabanadas para os quais não tenho jeitinho nenhum e ver televisão vegetativa não seria uma solução a considerar. Ora, posto isto, que  melhor dia poderia eu escolher para fotografar aves?

Não fui sozinho em mais esta visita à Ponta da Erva. Segui acompanhado pelo meu amigo Frade companheiro neste estado de espírito de vigilante observador da natureza. Nas nossas incessantes buscas pela lezíria fomos brindados por uma luz graciosa e por umas quantas aves que nos fizeram lembrar que afinal o Natal é já amanhã.

O Chapim-de-faces-pretas, um autêntico mascarilha irrequieto, assaltou o canavial da lezíria para depois tentar fintar as objectivas enquanto pulava entre canas.


O Papa-ratos andava tão entretido na sua caça quotidiana que quase gerou uma crise de identidade.  Nesta sequência de imagens o animal não fez jus ao nome ao contradizer a nomenclatura, quando em vez de um rato apanhou uma rã (acho eu). Depois disto, que me desculpem os ornitólogos, para mim esta ave ficou baptizada como sendo o Papa-rãs.


Fotografar a Coruja-do-Nabal era um sonho antigo. Esta extraordinária rapina nocturna mas de hábitos diurnos, voou à nossa frente depois de nos piscar os seus magníficos olhos amarelos umas quantas vezes, como quem diz: despachem-se, tenho mais que fazer, a ceia da consoada é daqui a pouco.


                                       
Depois disto voámos para casa onde continuei com esta mania de dar fala aos animais.

M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...