domingo, 31 de agosto de 2014

Golfinhos e a Ponta da Piedade


Lagos.

Em Abril embarquei na companhia da Days of adventure em busca dos golfinhos da costa algarvia. O azul atlântico era um apelo convidativo à descoberta e assim o barco fez-se ao mar, sem temer a ondulação ou o humor dos deuses. Após algumas milhas, o cão-de-água que fazia parte da tripulação começou a ladrar, desatando a correr pelo barco como se tivesse localizado um tesouro. As pessoas assomaram-se da proa para ver o que estaria na origem da azáfama canina. O cão continuou a manifestar-se dando sinal do que se adivinhava inesquecível. Instantes depois, dois golfinhos-comuns (Delphinus delphis) rasgaram o mar em mergulhos constantes, trazendo sorrisos aos passageiros da embarcação. 

E como são rápidos estes golfinhos: em média 5 a 7 milhas/hora, contudo podem atingir 29 milhas em perseguição de presas ou em movimentações entre áreas de alimentação. Estes animais medem entre  1,6 e 2.4 metros de comprimento, pesam em média entre 100 a 200 kg, sendo a sua alimentação à base de sardinha, anchova, polvo e camarão. A sua longevidade pode atingir meio século. Este é o cetáceo mais comum da costa portuguesa incluindo Açores e Madeira.  

No meu momento de sonho atlântico, o golfinho juvenil e o seu progenitor ladearam o barco, após alguns minutos juntaram-se a um grupo com vários indivíduos, depois em acrobacias destemidas cruzaram as ondas mesmo em frente das nossas mãos, desaparecendo por fim na linha ténue do horizonte. 

Entre homens e outros bichos a comunicação transcende a linguagem dos símbolos e da memória. 


Para que o sonho não fugisse, o oceano passou a ser tão pequeno que quase cabia num punho fechado de felicidade. 


A linha do horizonte desenhada pelo avistamento libertador.


Seguiu-se a aproximação ao barco



Do pequeno golfinho e do seu progenitor


Familiarmente tão perto


Entre águas numa coreografia de afectos 


Até um Ganso-patola (Morus bassanus) veio ver que festa seria aquela.  

Aquando do regresso, cruzámos um imaginário tabuleiro de xadrez com peças alinhadas e esculpidas pelas mãos do vento e das eras geológicas. Eis a Ponta da Piedade; um magnífico complexo rochoso de admiráveis configurações; composto por ilhéus, promontórios, praias e falésias, onde a voz da natureza ecoa num compasso infinito.



De tantas grutas escondidas e praias secretas, com piratas e princesas, povoando o imaginário desta e de outras histórias.


No milenar evoluir destes ilhéus atlânticos


Assim foi a admirável passagem pelas esculturas rochosas da Ponta da Piedade.







sábado, 23 de agosto de 2014

Faia Brava




Há muito que ansiava conhecer a reserva da Faia Brava, situada entre os concelhos de Pinhel e Figueira Castelo Rodrigo, distrito da Guarda. O fascínio era antigo, talvez por ter sido a primeira área protegida privada em Portugal, inicialmente  criada com intuito de proteger o britango (Neophron percnopterus). A riqueza da biodiversidade e a conservação da natureza ocupam um lugar de destaque nos 850 hectares geridos pela ATN (Associação de Transumância e Natureza)
Assim, no início de Abril, visitei o local com intuito de fotografar algumas aves rupícolas e conhecer um pouco do Vale do Côa.

5:50 da manhã - o ponto de encontro estava marcado para a igreja de Algodres.  Os braços da noite fria prologavam-se rapidamente pela madrugada. Depois de um longo périplo tínhamos à nossa espera um colaborador da ATN. Sem tempo a perder demos início a uma viagem de jipe por caminhos acidentados e veredas com inclinações impossíveis de ultrapassar por uma viatura que não tivesse tracção às quatro rodas. Chegámos ao abrigo instantes antes do sol nascer e depositámos vinte quilos de ossos e carne (com a devida licença e controlo de qualidade) para que se concretizasse o chamamento das aves necrófagas. Entrámos no abrigo enquanto o nosso guia dirigiu-se para um ponto de observação altaneiro, onde controlaria a chegada das aves. Uma vez devidamente acomodados, usufruíamos de uma visão desobstruída do local onde poderiam pousar os abutres, enquanto isso, aguardávamos com expectativa qualquer sinal dos nossos anfitriões vindos dos ares. 

Do céu carregado por nuvens escuras irromperam tímidos raios de sol e com eles vieram dois grifos (Gyps fulvus) que poisaram no topo de uma árvore. Observaram as ossadas, contudo mantiveram-se calmamente de sentinela. Discretos, controlaram a iguaria mas não desceram. Os bichos realizaram o levantamento das possibilidades e dos riscos que o local oferecia. Após alguns minutos partiram sem tomar o pequeno almoço. Depois, vindos de todas as direcções, com um adejar pesado e sonoro, surgiram mais de vinte grifos que atacaram os ossos como se a fome fosse um dia com poucos minutos. A disputa pela comida obedecia a uma hierarquia onde os mais velhos tinham a primazia de ser os primeiros. Houve agressões e batalhas mas todos sabiam que posição ocupavam no bando. Observámos ainda um casal de britangos que sobrevoou o local sem pousar. Os grifos fizeram desaparecer em poucos minutos os ossos e já o festim se aproximava do fim quando ouvimos um estranho chamamento, inicialmente parecia ser uma raposa, todavia estávamos enganados. A majestosa surpresa poisou numa pedra e reclamou o seu trono de águia-real (Aquila chrysaetos)

Este é o nosso património natural, vale a pena conservar um caminho por mais acidentado que seja.



Portal de boas vindas


O Vale do Côa visto a partir da reserva Faia Brava


Um poiso para os grifos contemplarem a paisagem enquanto secam as asas


E sacudir as penas


Não esquecendo quem manda


Uma manifestação da hierarquia bem definida


Enquanto uns comem outros esperam pela sua vez


Depois dos ossos e da carne seguiu-se a partilha de uma pedra



De asas abertas assim se aproveita o que resta do sol


Águia-real: a visão atenta da maior águia portuguesa, infelizmente uma espécie ainda ameaçada. 



Grifo - o filme



sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Uma viagem de hidrohide no Alqueva



Junho 2014 - Alqueva



Quando chegámos a Mourão ainda se ouviam os ecos de um madrugar feito de Cante Alentejano e montes solitários. À nossa frente o Alqueva abraçava o que outrora foi campo aberto e planície. O sol despertava e nós estávamos preparados para um novo desafio - conduzir um hidrohide, ou se preferirem, navegar dentro de um esconderijo aquático.

Para tal preparámos o corpo e a alma para a entrada na lagoa, sem frio ou medo que nos detivesse. Contávamos com a indumentária adequada: um fato de pescador que depois de vestido ajustava-se ao corpo como uma segunda pele. Após a adaptação ao fato, havia que perceber como manobrar o hidrohide; aquela engenhoca de formato curioso que se assemelhava a um pequeno iglu. Tratava-se de uma estrutura bastante leve, com a base em fibra de vidro, coberto por tecido de padrão militar e rede camuflada. Estava assim criado o mais perfeito mimetismo flutuante. No interior, um pequeno postigo permitia espreitar, mais a baixo, um suporte para a máquina fotográfica servia de tripé que mantinha o conjunto, câmara e lente, perfeitamente manobrável. De lado, o espaço era exíguo, mas permitia acomodar alguma fruta e uma garrafa com água. 

Volvidos os preparativos e os receios de uma primeira vez, levámos a estrutura para dentro da lagoa. Devagar lá fomos nós empurrando o hidrohide, como se fosse uma oferenda em memória dos sonhos do Alqueva. Foi fácil apanhar o jeito e sem frio que nos amedrontasse conduzimos confiantes em busca de motivos para fotografar. Quem nos visse naqueles preparos, dizia que andavam à deriva pela lagoa pequenos "ilhéus-humanos". Contudo, creio que ninguém tenha reparado nos protagonistas deste estranho fenómeno. Enquanto isso, carregávamos o nosso disfarce dentro de água, sem perder o pé. Depois de algumas manobras aquáticas conseguimos uma aproximação satisfatória a várias espécies. Nivelando a objectiva com olhar do bicho e com isso obtendo ângulos com diferentes abordagens fotográficas. Algumas aves não tiveram medo, outras fugiram, porém, todas demonstraram uma curiosidade pelo "ilhéu" que as observava. 

Durante horas percorremos o perímetro da lagoa, desenhamos rotas e aproximámo-nos das margens. Rastejámos numa postura anfíbia, quase nadámos e até metemos água dentro do fato mas não molhámos o equipamento fotográfico. No final o resultado foi satisfatório muito embora o esforço físico tenha sido bastante elevado. 

Três amigos fizeram esta viagem, todos com expectativas e visões diferentes da Barragem do Alqueva. No final do dia houve quem caísse, quem risse e houve ainda quem desejasse voltar já amanhã. É desta fibra que são feitas as saudades.

Fomentar novas vertentes do turismo é cada vez mais importante. Viagens de hidrohide para observação e fotografia de aves, tal como outras iniciativas ligadas à natureza, são actividades que podem dinamizar toda uma região, fazendo face a preocupações mais prementes como são o desemprego e por consequência a desertificação. Nunca é tarde para ver e ouvir o que Alentejo tem para oferecer.


A voz do Alqueva chamou pelas aves e elas vieram; 
para que não se esqueçam de quem já sonhou ali.



Quando o sol cobre de oiro os lagos do Alqueva


a magia da luz redesenha os seus habitantes


Mergulhão-pequeno (Tachybaptus ruficollis)


Colhereiro (Platalea leucorodia)



Colhereiro (Platalea leucorodia)



Gaivina-de-bico-preto (Gelochelidon nilotica)



Gaivina-de-bico-preto (Gelochelidon nilotica)



Garça-boieira (Bubulcus ibis)


Garça-boieira (Bubulcus ibis)


Garça-branca-pequena (Egretta garzetta)


Garça-branca-pequena (Egretta garzetta)


Garça-real (Ardea cinerea)


Frente a frente: garça-real e colhereiro  


Perna-vermelha-comum (Tringa totanus)


A camuflagem perfeita do cortiçol-de-barriga-preta (Pterocles orientalis)


Frente ao hidrohide eis que surge uma família de mergulhões-de-crista



Ali está um "ilhéu-humano" a espreitar


a curiosidade que se esconde nas margens



Mergulhão-de-crista ( Podiceps cristatus)



Mergulhão-de-crista ( Podiceps cristatus)


Até a pequena libelinha-de-olhos-vermelhos poisou no trânsito das algas  


Libelinha-de-olhos-vermelhos (Erythromma viridulum) 


Antes do dia ser memória, as sombras foram cirandando dando vida aos bichos e aos hábitos 




Uma viagem de hidrohide no Alqueva - o filme.






Agradecimentos: Naturalqueva


Não era preciso tanto

Não era preciso tanto sofrimento, tamanha dor ou insondável medo, para acreditar em Deus, e nos seus caminhos indecifráveis. veredas inscrit...