segunda-feira, 20 de abril de 2020

Orquídeas, cogumelos, musgos e líquenes 2020



Ainda não tinha sido decretado o estado emergência e o respectivo isolamento social, quando em duas caminhadas descontraídas realizei estas fotografias.

 Longe de mim imaginar que seriam memórias da celebração do bem-querer ao próximo. Tempos em que podíamos caminhar lado a lado com outras pessoas sem risco de contágio, onde era possível cumprimentar com um simples aperto-de-mão sem comprometer a saúde, partilhar um  abraço ou beijar. Hoje, todas estas manifestações de proximidade para com o outro, não passam de miragens de afectos das quais temos que reinventar gestos e amplificar palavras. Olho pela janela, as ruas estão desertas, as lojas fechadas e não há nenhum rasto de avião nos céus. Assistimos a um filme com traços apocalípticos onde somos actores de uma sociedade expectante, à espera de uma vacina que não nos faça desconfiar do outro. Até lá, assistimos a banalização com que se fala de milhares de mortos,  abrindo noticiários com uma descontraída e terrível conformação,

Há uns dias atrás, quando andei pelos campos a fazer estas fotografias, não me passava pela cabeça, que hoje tínhamos que usar máscara, luvas, ou aguardar numa fila mais de uma hora para entrar num supermercado ou numa farmácia. Não imaginava que estava em teletrabalho, a realizar os meus turnos de 24 horas e que transformava o meu quarto num escritório, onde o meu patrão senta-se ao meu lado numa cadeira virtual. É assim que sobrevivemos. Não saímos de casa com medo de um bafo invisível e a nossa janela é a montra do nosso desalento, mas também a vigília da  nossa esperança.

Quando  o covid-19 alastrou pelo mundo o homem não teve outro remédio senão fechar-se numa quadricula quase distópica e partilhar cada vez mais os seus dados pessoais com um estado de alerta. Tivemos que alterar comportamentos, cambiámos a forma de exprimir os nossos afectos e criámos distâncias indivisíveis, talvez nunca mais voltaremos ao "animal" social que éramos, contudo a natureza permanece no mesmo quintal, à nossa espera, exigindo o nosso respeito, tão apaixonadamente bela mas como tudo o que amamos, sempre mais distante. 

Dias antes:

Nem sempre o tempo é  nosso aliado nestas coisas da fotografia.  O trabalho por turnos, esse bicho tentacular que nos suga socialmente, ao mesmo tempo nos garante o sustento e tantas vezes no tira o sono, é um  bichano de pelúcia que temos de cuidar. Porém, quando chegam as folgas o melhor remédio é sair e casa e caminhar. Deixar-me ir, leve e não pensar em nada, ou em quase nada. Com pouco equipamento (uma garrafa de água e uma peça de fruta), quiçá um telemóvel ou uma pequena máquina fotográfica, só para registar qualquer surpresa que apareça pelo caminho e nos faça sorrir. Faz falta um sorriso, um amplexo e um trilho por descobrir. 

Este é o resultado de uma caminhada descomprometida pelo parque florestal de Monsanto onde encontrei pequenos tesouros que no conforto do lar não seria possível tal deslumbre.

Orquídeas
(Ophrys lutea) erva-vespa


(Ophrys apifera) erva-abelha



(Ophrys bombyliflora) erva mosca




(Barlia robertiana) cravo-de-burro



Reino Fungi




gota-de-tinta  (Coprinus comatus) 


gaiola-das-bruxas (Clathrus ruber)





Briófitas 
Musgos 
(Bryum capillare




(Myurium hochstetteri)




Líquenes
Líquene dos telhados 
(Xanthoria parietina)


Xanthoria calcicola Oxner


Ramalina farinacea





sábado, 4 de abril de 2020

Aquele quintal




Relembro a última vez que a vi,
a minha tia passeava com o meu primo
numa caminhada pelos trilhos quentes de verão,
sorriso leve de sol pintado entre as torres do final de tarde.

Recordo… A Mulher!
lembro-me do seu carrapito e dos tiques de quem estava preparado para tudo,
de avental de guerra, dos braços fortes, feitio firme e justo,
dos prédios altos que manteve e das escadas que aprumou,
das sestas que me obrigou contra a minha vontade de explorador de quintais.

Já agora... O medo!
ainda menino, quando regressava da escola, nos dias de inverno abria as goelas,
Gritava: Tia Virgínia! Tia Virgínia! ecoando receios pelo quintal das videiras em esqueleto,
tal não era o meu pavor dos labirintos surpreendentes da noite,
e corria às apalpadelas até chegar ao abrigo da sua voz por detrás do postigo alto.

Depois...  A aprendizagem.
Tia Virgínia e os seus avisos do sol a pique e do chapéu que me faltava,
da ternura com que colocava alho para aliviar as picada das abelhas,
dos recados para não comer figos nas horas do calor e não subir às nespereiras falsas,
das reprimendas para não judiar a gata Oba que tanto me assolapava de tentação.

Hoje o mundo vive num cerco perigoso;
na despedida não houve abraços, não houve mãos nas mãos, nem beijos,
apenas um caixão fechado e pessoas próximas mas afastadas,
porém, começou a florir outro céu, outra força, noutro quintal de afectos.


M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...