segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

BioMelides: Traças ou borboletas nocturnas - 1ª parte -




Não foi fácil explicar à Dª Mariana o que andavam a fazer duas alminhas junto dos candeeiros do parque de campismo de Melides. A resposta mais fácil seria: Fotografar. Mas a fotografar o quê? A infra-estrutura eléctrica, a vedação, no breu da noite escura? Sem dúvida que aquele seria um comportamento suspeito. Já para não falar das vezes em que no chão, agachados, pareciam procurar alguma coisa, para depois empoleirados em cima de um banco e perto da luz observarem sabe-se lá o quê. "Só gente doida" pensariam os campistas. 

                                                            (Cymbalophora pudica)

E com alguma razão. Já passava da uma da manhã, ao longe, quem os visse em cima de um banco, a olhar para a luz dos candeeiros poderia pensar que estavam a roubar as lâmpadas, o arame da vedação, ou a tramar alguma desgraça. Àquela hora tudo era possível. E este estranho comportamento legitimava as mais diversas interrogações. Como tal uma pergunta impunha-se: O que os levava a fazer tal figura? A resposta era simples e voava à noitinha à frente dos vossos olhos: Borboletas nocturnas.

(Euproctis similis)

Atenção. Seria totalmente diferente se dissesse que andava a fotografar borboletas nocturnas à uma da madrugada, em vez  de categoricamente afirmar que estava a fotografar traças ao luar. Muito embora seja tudo igual, o mesmo método, técnica e até os mesmos bichos, a generalidade das pessoas prefere e aceita melhor a palavra borboleta em vez traça. Simplesmente traça. É uma questão da conotação e preconceito atribuída a esta última. Uma vez que as traças granjearam fama depreciativa de bichos feios e maus, bichos que traçam a roupa, fazem buracos nos tecidos mais diabo a sete, e talvez por isso seja necessário combate-las de vassoura numa mão e insecticida noutra. Nada mais errado. 


(Ocneria rubea)

Suou o alerta. Durante a madrugada os seguranças do parque de campismo registaram chamadas dos campistas preocupados com esta bizarra actividade nocturna. Ninguém lhe disse que andávamos a fotografar traças para o projecto Biomelides. Ainda bem. 



(Compsoptera opacaria)


Verdade seja dita,  quando estávamos a fotografar aproximou-se uma senhora (para o efeito carinhosamente será Dª Mariana) e perguntou-nos com uma voz de sono e a medo, o que andávamos a fazer? Não falámos em traças, nem uma palavra. Preferimos elogiar as borboletas na sua ampla generalidade. A Dª Mariana ficou compreensivelmente mais descansada com as nossas sinceras apologias às borboletas e de roupão puxado até às orelhas recolheu à sua rulote. Aqui fica o nosso esclarecimento e ao mesmo tempo agradecimento pela sua coragem e paciência. 


(Cymbalophora pudica)


Durante duas madrugadas registámos perto de três dezenas de espécies de borboletas nocturnas pertencentes à sub-ordem Heterocera ou se preferirem traça. 

(Euproctis similis)

Na quietude nocturna voavam pequenos seres que não sonhávamos existirem. É também para isso que serve a noite.

(Calamodes occitanaria)

Em Portugal existem 2400 espécies de borboletas sendo que 95% são traças. Esta é uma pequena amostra da sua variedade e beleza. 

(Dyscia penulataria)

(Isturgia miniosaria)

(Scotopteryx peribolata)

(Cilix hispanica)

(Idaea incisaria)

(Thaumetopoea pityocampa)







Outubro - 2014 - Melides


Agradecimento ao grupo Lepidoptera em Portugal pela identificação das borboletas nocturnas.

2 comentários:

M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...