terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Auto-retrato de um Café Poema


(fotografia de Carlos Peres Feio)

Um ano e três meses depois... ouviu-se em Carcavelos poesia dita "à desgarrada".
Foi bom regressar às noites poéticas no Cappuccino´s; rever amigos e revisitar a voz de tantos poetas.  Os principais convidados foram aqueles que entraram no espírito, pediram um café poema ou simplesmente um poema de água e foram ficando, fazendo parte de um auto-retrato salpicado por palavras e horizontes. Quem sabe se um dia destes não voltaremos a repetir a iniciativa?
Até lá guardo sorrisos - bem maior destas noites.

Obrigado a todos!
  

Texto interpretado:

Auto-retrato por Nuno Cairo


Que triste ideia essa de falar desse individuo
que se parece comigo mas que não sou eu,
porém incumbiram de falar do outro
que não é mais que  minha sombra
resto de cinza e dia sem sol.

Ele vai sendo um pouco daquilo que eu deixo,
daquilo que desejo depois de possuir
porque bem vistas as coisas,
ele é um pequeno invejoso 
o que eu tenho - ele quer
tudo o que ele tem agora - já me esqueci.

Assim vamos falando todos os dias,
parecemos maluquinhos frente ao espelho a fazer a barba
ou a lavar os dentes.
às vezes quase andamos à chapada
mas numa coisa estamos de acordo:
esta cabeça é pequena para dois, 
quanto ao caixa-corpo tanto faz como tanto fez.

Temos amores em comum - valha-nos isso ao menos!

Na escrita, meus amigos – ele é uma tristeza! 
ele escreve, eu apago, eu rasgo, ele à socapa aproveita.
da minha escrita, ele sorve e expia,
na ânsia de imaginar algo parecido,
mas não consegue  terminar uma linha sem me pedir opinião.
entre a vírgula e o ponto ele estrebucha em ideias vagas.
explosões controladas que não passam de fogo de artificio.

Na fotografia é diferente mas não deixa ser também vulgar,
contudo temos uma máquina pelo meio;
entenda-se o mecanismo situado entre o cérebro -  casa das ideias
e a ponta do dedo -  precipício do toque e do erro
ele habita verbo disparar 
(melhor dizendo: disparatar)
porém concedo-lhe tal protagonismo efémero entre o  engenho e a rapidez
mas o enquadramento e a composição da cena
são de minha autoria - obra de arauto quando bem conseguida,
e pobre quando ele a faz assim tremida.

No feitio somos quase, quase… não tem nada a ver!
mas devo confessar que colaboro - tem que ser.
eu preciso de alguém que deite este pobre invólucro em cama lavada,
casa segura, feche a porta do dia, lave a loiça e tudo o mais,
enquanto eu escrevo no escritório,
alguém tem que ser o mestre das ideias!
não acham?

Por isso no dia a dia,
quando ele explode de raiva eu sou condescendente
e acalmo-lhe a boca em fúria,
quando ele se enamora, eu digo-lhe: 
humm que mulher tão bonita, de tão bela torna-se longe, quimera, cidade fêmea invicta.
quando ele conduz eu digo: vá, vá, mais rápido... anda homem!
quando ele nada - eu digo: ainda te afogas!
quando ele corre - eu repito: vais cair vais... vais!

Mas…
meus amigos quando eu estou irritado
(tenho direito às minhas fúrias e as minhas luas)
ah.... ele que fique longe, quieto e não saia do seu cantinho,
eu bem sei resolver os meus problemas!

Quanto ao mais…
não nos entendemos entre o cinema e o teatro - o melhor é ficar calado!
gosto de futebol e ele não liga ao Benfica,
eu amo música, ele nem sabe o que é um .
ele gosta de vestir preto (ausência) eu gosto do vermelho (guelra)
ele peixe, eu carne
ele chocolate, eu salgado
dia-noite,cerveja-vinho,
amor - sexo,chuva- sol,
eu serra, ele praia,
ele-eu-eu-ele,
não… não será esse o fim
mas quando ele verdadeiramente cai... 
eu escrevo-lhe algo que não começa nem acaba aqui. 
meu Amigo.




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