domingo, 15 de dezembro de 2013

Aquela noite



Na última noite fomos amigos com conversa de amantes,
fomos ladrões de mãos com gestos de pescadores de sonhos;
na última noite fomos homem com conversa de mulher e mulher com conversa de homem,
fomos boca e lábio num corpo sem ser nem boca nem lábio, apenas palavra;
naquela última noite fomos mão quente e intimidade sem toque,
fomos o teu olhar de esfinge e a minha voz que por instantes não foi minha nem tua,
fomos fogo, fomos céu e rimos tanto "do susto que o cão nos deu"
naquela noite falámos dos nossos equívocos,
imperdoável e inesquecível desengano.

Na última noite fiquei sem saber a cor dos teus olhos,
nem tu ficaste a saber a cor dos meus;
fomos unha e dedo, sem ser carne nem medo ou pé,
e assim, partilhámos segredos e desenhámos sorrisos com pedras estrelares;
na última hora fomos tecto, cama e chão sem nunca nos abraçarmos
ou despirmos a pele do que não somos,
que isso é coisa para quem morre e ama devagar;
no último minuto fomos dias e anos de existência plena sem nunca nos vermos
porque isso é coisa de quem cuida da saudade,
como quem rega uma linda flor à janela e fala contigo como se falasse com ela;
nesta última noite seremos, nem mais nem menos, tudo isto
sem ser nada do que foi, até agora, desenhado no areal da praia.

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