segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O caminho desobediente

 


Camisa preta em cima da cama,

calças escuras engomadas,

corpo lavado em água tépida,

e barba escanhoada.


as roupas ajustam-se à pele,

os músculos procuram sustento,

na luz que faz as borboletas voar, 

de gesto perfumado, quase me apetece rir!


saiu de casa com encontro marcado

compro um ramo de rosas vermelhas,

o carro conduz-se pelos soluços da velocidade;

chego ao local combinado: está sol, o ar é negro.


sei que não me querias a caminho do cemitério,

mas que remédio tenho eu senão desobedecer? 

estou aqui, quase transparente, de boca seca,

falo contigo neste domingo de desencontrados. 





sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Monte Santo - Uma viagem pelo parque florestal de Monsanto



Depois de 13 anos de fotografia e filmagens da biodiversidade do Parque Florestal de Monsanto, fui convidado a fazer parte da equipa que agora apresenta o documentário "Monte Santo - Viagem ao Parque Florestal de Monsanto". 

Estreia na SIC,  no próximo domingo, dia 19 de outubro, pelas 12:00. 

Estou grato por esta oportunidade, pois foi um orgulho trabalhar com esta equipa, ao mesmo tempo, um marco impactante nesta vida de constante aprendizagem. Aqui fica o convite para conhecer e respeitar o pulmão verde da cidade Lisboa e os seus curiosos habitantes.




sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Vamos para casa filho!

 

No regresso aos corredores azuis 

do hospital de onde tu partiste, 

em cada rosto procurava o teu,

em cada senha a tua idade branca.

 

o teu nome esculpido na massa silenciosa do luto

nas portas, macas, lençóis queimados,

dos pisos etéreos aos elevadores vazios,

sinto-te em cada suspiro das paredes.

 

enquanto espero que a minha vez chegue...

oiço os gritos em frases interrompidas

estropiados com olhares afundados

nas cadeiras de plástico, onde se derretem queixumes.

 

espero ver-te chegar e dizer: "Vamos para casa filho!"

sem saber o que fazer com os pés que não param quietos,

dou por mim a flutuar dentro de uma lágrima.

 



terça-feira, 7 de outubro de 2025

Deixou de ser sonho

Um sonho deixou de ser sonho

e nasce feito mas com tanto por fazer.

com todas as perfeitas imperfeições,

daquilo que se faz e desfaz

por bem querer.


nunca completo, há sempre

casas com vento dentro,

janelas de mar por amansar.

e sangue em terra por cicatrizar.


que seja por alento que nunca me deito

com este corpo enxuto e amarrotado,

em pulso morto por desenquietar. 



sábado, 20 de setembro de 2025

Labuta



Sais para o trabalho com o objectivo de colocar pão na mesa, pagar contas, aconchegar as horas no peito como um ninho. Na natureza a história é a mesma. Há que trazer alimento a quem espera pelo regresso do progenitor com uma acendalha no olhar. Esta poupa levou minhocas vezes sem conta para os juvenis, enquanto, a poucos metros dali, os homens acartavam sacos de esperança para casa.

No entanto, outros homens batiam com a cabeça contra o muro, esquecendo-se do trilho de regresso, deixando cair pacotes de leite, fruta e quilos de cegueira contagiosa.



quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Amanhã

 




no ciclo das luas 

deixei passar os dias,

ainda há pouco ouvi-te dizer

que não conseguias dormir,

as dores laminares puxavam-te as pernas,

para um poço negro sem escada de céu.


com tristeza na voz 

e memória rouca,

falámos das proezas

dos médicos

dos anjos

dos amores

e tu dizas: "liga-me quando quiseres!"


"amanhã ligo"

dizia eu para as minhas unhas sujas

pelas crostas arrancadas ao cicatrizar,

adiava o telefonema para falar da fé, da ciência

dos remédios milagrosos por inventar.


partiste ontem.

combateste uma muralha quase intransponível, 

foste vitoriosa, imprevisível e corajosa.

como o vazio que floresce amanhã.



Para a minha Tia Edite.




terça-feira, 19 de agosto de 2025

Contos de Oscar Wilde



Aconselho a quem tenha filhos pequenos a leitura destes contos antes de dormir, ou melhor, a qualquer hora do dia ou da noite. Todos os motivos são bons para se iniciar uma leitura de um livro único como este. Como não tenho filhos, nem pequenos nem graúdos, eis o motivo do meu conselho, porém muito mal explicado. 

Ah! Se fosse possível voltar atrás no tempo...

Quando era petiz, este era o livro que eu gostava que me tivessem lido na comunhão entre pais e filho. Tal não aconteceu porque na altura as posses não eram muitas para se gastar com livros. Havia outras prioridades como a comida na mesa, cama e roupa lavada. Hoje tive a sorte de puder pegar neste livro e dedicar-lhe tempo. Durante 220  páginas habitei histórias fantásticas percorrendo de vigília caminhos estranhos e desafiantes. Depois da leitura surgiu a rendição, a calma com que aceitei o final do dia e entrei na esfera do irrepetível. 

Talvez sejam contos para crianças grandes, crianças adultas mais rabugentas do que as crianças pequenas. A leitura rejuvenesce o cérebro e convida-nos a ouvir uma outra voz - a voz que lê, a voz que embala. 

Na moral o bem nem sempre vence. O que é bom. O mal é também é um participante e muitas vezes vencedor na maratona da nossa vida. Perdi-me tantas vezes no corpo destas páginas e encontrei-me em várias geografias, fazendo parte das coisas inanimadas ou de reinos improváveis. 

Ouvi o lamento de um fantasma honesto e de um arrogante foguete a reclamar da sua sorte dentro de uma poça de lama. Andorinhas a atrasarem o seu voo migratório de regresso de uma missão inaudita. Um gigante egoísta que ganha o seu lugar no Paraíso. Nestas leituras, os pintarroxos e rouxinóis são obreiros de feitos incríveis. As fábulas ganham contornos verossímeis. Como por mágia literária, as estátuas e as ratazanas obtêm voz própria, tal como o vento, o granizo e a neve. E não acaba por aqui o festim de ficções; as árvores envaidecidas enchem-se de crianças nos seus ramos cimeiros para celebrar a primavera. Ao dobras o vinco da página, ouvi relatos da beleza que foge do corpo de um homem e que regressa quando ele assume a humildade da finitude. Nestas páginas escutei o canto da sereia com que um homem se enamora e pelo qual é capaz de quase tudo. Comovi-me no conto onde o Amor de um filho em busca da Mãe é levado à provação máxima. Os Contos de Oscar Wildeo acompanharam-me em estranhas horas de longos dias, de luar turquesa, porque serena é a voz que da leitura ao espelho. 






O caminho desobediente

  Camisa preta em cima da cama, calças escuras engomadas, corpo lavado em água tépida, e barba escanhoada. as roupas ajustam-se à pele, os m...