segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Louva-a-deus meu amor!


Tinha acabado de desarrumar a minha cabeça com alguns nomes de mulheres que amei, quando abri a janela do quarto e inspirei a noite que me restava. Estava calor naquela casa de músculo de cal. Em especial na divisão que partilhei com sombras do tempo e que agora abraçam-me só. Eu não me incomodo por andar descalço e ter os pés no chão ainda frio. Dirijo-me à janela com uma garrafa de água das pedras na mão. Mesmo não tendo sede, bebo pelo gargalo um gole triunfal, enquanto contemplo as vidas do meu bairro. Os meus vizinhos - aqueles seres irrequietos - ardem pelos becos sem saída e escadas que não levam a lado nenhum. Não os conheço mas sei o nome de alguns. Raquel e Pedro, Menina Esperança, Flor d´ Amora, Delfim e Clara, Lili e Saba e tantos outros fogos humanos. À minha frente tenho um prédio tão velho que todos os dias temos surpresas. Gosto desta variedade de acontecimentos especialmente nocturnos. As sirenes dos carros da policia  iluminam a minha ficção. Os vizinhos já se deitaram depois de discutirem e terem fechado os estores e os olhos a tantos outros assaltos passionais. Amanhã é segunda-feira, dia de trabalho para alguns. Uma resistente. Lá vem a minha vizinha, que dizem ser striper, contudo eu acredito que seja enfermeira com turnos confusos.  Ela chegou num carro tão comprido como as suas pernas. A minha vizinha só existe de noite  - de dia nunca a vi. Gosto de como deixa a porta do prédio bater, com estrondo nocturno e imponente. Ela subiu e desceu. Bebo mais um gole à saúde dos que ainda estão acordados. A água está morna. A minha mão acena ao último carro que passa e perde-se naquela estrada de candeeiros que rumam em direcção à lua. A rua ficou deserta. Devagar vou desistindo dos meus olhos. O corpo pede uma âncora de descanso. Sento-me no colo da cama e deixo-me cair com o garrafa na mão.Pelo fundo verde do recipiente olho para o tecto e penso nas mulheres que um dia amei. A todas elas dedico os instantes que leva a desenhar no ar um coração com um ponto de interrogação dentro. Nisto um insecto-avião invade o meu espaço-corpo-casa-planta-fé. Uma Mantis-religiosa poisa em cima de mim, louva a Deus e agora? O telemóvel toca duas vezes, depois a campainha da porta sinaliza um toque ténue. A Mantis desliza lentamente pelo suor da minha pele ainda... 

Por amor perde-se a cabeça facilmente. Assim é, quando em pleno acto sexual a fêmea Louva-a-deus come o macho, começando ordeiramente pela cabeça. Contudo, ele sabendo desse risco contínua incessantemente a sua demanda. 









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