terça-feira, 17 de maio de 2011

o outro lado da lua e as suas mulheres



São 23:38 daquela noite onde a noite não chegava
a luz teimava em não desaparecer
por detrás do vidro ela avistava o esplendor do céu azul
segredando juras de amor e espanto
apoiada na chaise longue romana de um vermelho antigo.
 
Deu meia volta e começou a andar em círculos numa fúria quase descontrolada,
descalçou-se como qualquer mulher que cumpre uma promessa de espera,
e despiu o roupão negro ficando apenas com a camisa de noite sobre o corpo
a única peça que separava o dia da pele das horas longas,
por sinal, uma camisa branca de alças discretas e rendilhado floral,
não seria necessário muita imaginação para dizer que tecido era quase transparente.

Ela aguardava a chegada da lua e das outras porcelanas estrelares
contemplava o céu luminoso ansiando pelo escuro e a beleza das sombras,
contudo à meia-noite ainda não havia breu que se anunciasse
mas por certo existiriam outros perfumes prestes a descobrir.

01:19, afastou as cortinas, puxou os estores para cima e abriu a janela,
inspirou o ar e deixou o vento entrar pela boca que julgava fechada para sempre
depois, libertou-se da camisa que caiu no chão como um espectro iluminado
e numa pose fatal fingiu ser atingida no coração por um arqueiro invisível.

Tombou na chaise longue em plácida nudez muda
assim permaneceu deitada, baloiçando o braço como um leme num corpo prestes a estalar, enquanto isso rezava para que a noite viesse e a levasse num roubo rápido,
mas se isso não acontecesse, ao menos que fosse admirada pelo voyeurismo urbano
numa noite onde afinal não havia noite coisa nenhuma.

02:38, o céu azul ficou carregado de nuvens cinzentas

tornando-se pesado ante a ameaça de chuva
por certo os vizinhos estranhariam o facto de não haver noite
por certo viriam à janela espreitar tal fenómeno nunca dantes visto
veio a trovoada, seguida por uma borrasca intensa,

o que dissuadiu qualquer mirone de tal intenção.

Ah como ela queria ser admirada na sua nudez romana!
por isso não teve outro remédio senão entregar o seu corpo aos aguaceiros
num banho salpicado de pequenas gotas forasteiras
e permaneceu estendida,
qual oferenda aos deuses que se esqueceram de fazer noite naquele dia.

São 03:28, ela está completamente encharcada pela chuva que não parava um bocadinho
contudo sem sinais da noite fina, apenas ameaços nebulosos cobriam o céu e nada mais que isso.
Foi então que num cio crepuscular rendeu-se ao desespero desfazendo-se em volúpia,
as mãos entraram e saíram por todos os vértices e enseadas que perfaziam as curvas do tronco sensual
num gemido quase indecifrável da linha temporal e finita.

04:08, exausta mas satisfeita,
voltou a cabeça na direcção de um ponto negro que se assomava do céu
quando um flash e outro e mais outro irromperam num metralhar contínuo
seguindo-se um encadear de holofote solar numa intensidade cega
ela sorriu, quando ouviu os aplausos dos homens em frente ao cenário plástico
a cena nocturna em película de oito milímetros estava concluída.



Sem comentários:

Enviar um comentário

Aos olhos da doença

  os teus olhos | estrelas distantes os meus olhos | perdidos nos teus olhos teus | pedras frágeis olhos nossos | dançam errantes.   o mal r...