Agradeço o convite, mas não aceito
convites passar a consoada com ninguém. Durante mais de cinquenta anos celebrei
esta época pela minha Mãe, pelo meu Pai, pelo nascimento do menino Jesus. A
nossa união. Na nossa pequena casa, tão humilde quanto acolhedora. Éramos um
presépio vivo cheio de imperfeições e disfunções familiares O meu Pai era
carpinteiro e gostava das luzinhas coloridas que enfeitavam a árvore e a mesa
com filhoses e rabanadas brilhantes. Adormecia sereno a olhar para a televisão.
A minha Mãe era funcionária pública sempre atarefada na cozinha, de volta das couves
e do bacalhau, punha a mesa e arrumava o que eu desarrumava. De manhã trocávamos beijos em forma de presentes.
Hoje não estou sozinho. Para além dos periquitos e das
plantas, tenho a companhia dos espíritos que habitam todo este espaço
divisível. Este é o segundo ano que passo sem os meus pais. Fisicamente,
falando, pois sinto que me sussurram ao ouvido palavras quentes e raspanetes
protectores.
Cá em casa não há embrulhos coloridos prestes a rebentar de curiosidade. Ou melhor, recebi o melhor presente possível por parte da médica de família - saúde temporária em formato de comprimidos para a tensão arterial. Não há presépio ou árvore de plástico com luzes irrequietas e fitas multicolores. Tenho que reaprender a gostar desta época. Talvez para o ano frequente um curso no Christmas Institute. Acredito em Jesus. Tenho fé.
O menino Jesus de barro trabalhou todo o ano para se exibir belo e sem falhas na pintura, juntamento com os outros elementos do presépio, na esperança de ocuparem em cima da mesa da sala o topo do nosso mundo. O mundo é liderado por fazedores de guerras e eu já não tenho mesa da sala. Peço desculpa às figurinhas de barro, porém não tive coragem para vos tirar do escuro desse caixote empoeirado. O mundo é um lugar cada vez mais sombrio. Beijo um crucifixo que trago ao pescoço e procuro um suspiro em forma de parágrafo de esperança.
Ainda bem que estou a trabalhar no dia de Natal. Com o
computador na mão percorro uma avenida deserta dentro de casa. Busco um local
com luz natural. A janela grande da sala será o meu escritório, o meu espaço
aberto para o mundo. Não oiço o barulho enervante dos vizinhos do andar de
cima. Foram para a terra. Lá fora procuro pessoas para inventar histórias. Não
vejo ninguém e entretenho-me com os pássaros livres que voam no jardim. Os
melros continuam a não saber o que é o Natal e não é por isso que não são
felizes no seu luto. Luto filho da Mãe!
Depois do dia de Reis, a minha Mãe embrulhava em papel
de jornal os bonecos do presépio, a árvore de Natal, e colocava
tudo dentro de um caixote de cartão na despensa. Até para o ano! A caixote nunca mais foi aberto. Sempre que olho para ele crescem-me os braços e o chão torna-se
céu madrugador.
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