segunda-feira, 8 de junho de 2015

O quarto







Espreito.
a porta do quarto abre-se com o vento,
duas velhas cortinas varrem o chão,
as partículas de luz fazem das paredes
gigantes assustadores de papel,
enquanto as sombras honram o abandono dos móveis;
na cómoda sobrevivem caixas de comprimidos vazias
e um almanaque borda d´agua desfolhado pelas corrente de ar,
por cima, um santinho de porcelana com o nariz esmurrado
olha à sua volta e espera o regresso das mãos,
ao lado, livros apoiados nos livros solitários,
arrumados pela saudade metódica e sentinela das outras coisas:
óculos, chaves, fotografias mais um relógio de bolso,
mete dó o leitor de cassetes e a expiação de uma cassete "tdk" de fita esventrada
tal como as palavras que escapariam
de em copo vazio com uma colher ferrugenta dentro,
por fim o chamamento de que precisava para entrar.
um raio de luz incide no terço...
enrolado em orações e ladainhas de esperança silenciosa.
aqui o tempo é um bandido cadastrado.

Entro.
ao fundo do quarto, na mesa de cabeceira,
uma caneta de voz trémula oscila manias,
pelos cantos da divisão acumulam-se bichos de pó
juntamente com as alpercatas esfoladas no forro,
e um velho rádio do qual ainda se imagina o eco da missa das seis;
há uns anos, este quarto pequenino era nossa sala, cozinha,
cabine telefónica, nave espacial, extra mundo de cúbica dimensão,
naquela altura como ficava feliz ao ouvir a chave a morder a fechadura,
enquanto, baixinho, rezava sem que soubesse rezar, pelo teu regresso ,
com a lua na mão.




Sem comentários:

Enviar um comentário

M22

  Uma lágrima faz estremecer o vinco do lençol imaculado como uma flor ainda sem nome, há dias em que as palavras são audíveis rasgos ...