sábado, 24 de agosto de 2024

Mês 4

 

à janela

esperavas o regresso

do teu filho

(procuro-te no nosso altar)


ao sair de casa dizias

para conduzir com cuidado

"vai devagarinho - estás a ouvir?"

(não ultrapassava os 80 km/h na autoestrada)


antes de fechar a porta:

"até amanhã se Deus quiser!"

num anseio pelo regresso de outro sol

(ainda hoje oiço o teu eco)


a repetir vezes sem conta:

"nunca se sabe o dia de amanhã"

"levanta-te e ri" "qual médico, qual carapuça!"

"água e vento é meio sustento"


assim vai a ronda negra pela saudade

frases rápidas, eléctricas, instantes em avalanche,

dor que nem a memória se lembra igual.

(eu em frente à tua fotografia onde sorris)


terça-feira, 6 de agosto de 2024

O sapo e o beijo da chuva





Às primeiras horas da manhã, o carro avançava por uma estrada de terra batida com várias poças de água, resultado da noite anterior de chuva e murmúrios. Os pneus, ao entrar na primeira cratera alagada, fizeram saltar centenas de pequenos sapinhos (com menos de 5 centímetros) atarantados com a invasão. Eram tantos anfíbios que cobriam a estrada aos pulos, tentando salvar a vida. O carro parou. Eu olhei para os bichinhos, como se na noite passada tivessem chovido sapos dentro de cada gota de céu. Isto aconteceu na Grécia, no lago Kerkini, mas podia ter ocorrido em qualquer lugar onde haja uma lágrima de esperança. Depois o carro avançou lentamente tendo como destino a próxima nuvem de chão.

Quando a terra chamou

  Dormia sob o respaldo dos antidepressivos quando um tremor sacudiu a cabeça da cama, enleou-se nos meus pés com a força das algas vivas, s...