quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Leitura: Zero K





O que mais certo temos é a morte. 

A miragem da vida eterna sempre foi terrivelmente tentadora, sendo sem dúvida, um dos maiores desejos da humanidade. No livro Zero K de Don Delillo, o modus operandi para a eternidade passa por congelar o corpo e conservá-lo durante anos, até que haja disponibilidade tecnológica para reanimar as células e reagrupar os tecidos, numa nova época capaz deste e de outros feitos.

Pois... será isto um repasto de ficção cientifica ou realidade daqui a umas décadas? Seja como for temos que esperar para ver. Até lá tentamos dialogar (algumas vezes), de consciência plena, e escolher entre morrer de forma assistida, ou acabar pura e simplesmente, do modo dito natural, arrumar as botas e esticar o pernil (desculpem a ligeireza da linguagem). Porém, num futuro próximo, talvez seja possível viver para sempre. Com a humanidade mais fresca de pensamento, mais ou menos interesseira e de meios mais apurados, onde a morte pode a ser negociada, adiada ou planeada para outra época. Temos ainda, o lado idílico: a perspectiva mais pura de vivermos ao lado daqueles que mais amamos, eternamente próximos, sem nos preocuparmos com o fim do filme e com o apagar das luzes.

Os homens e as mulheres que habitam este livro falam da morte que espreita ao virar da esquina. Perdem-se por corredores frios e desolados de uma infraestrutura futurista, entre sombras nostálgicas e corpos em contagem decrescente.  Ross é um senhor com muito dinheiro para manobrar a morte em ambiente controlado e com isso perpetuar a vida da sua amada esposa - Artis.  Por outro lado, o seu filho Jeff, é confrontado com  as motivações que levaram o pai a conduzir a madrasta até a antecâmara da morte. Jeff vê-se no meio de um turbilhão de emoções que o levam a recordar a sua mãe e outros momentos de perca e reencontro.

Confesso que durante esta leitura fiquei um pouco amargurado (méritos do escritor) ao lutar com as personagens por não desistirem das suas escolhas e eu (com um nó na garganta) a lutar para não desistir do livro, talvez por não querer estar na pele dos protagonistas, talvez por me doer só de pensar que um dia também vou perder. Contudo, também eu sou um filho, a tentar compreender se a via escolhida para o final é a melhor possível.

Algumas esquinas e recantos mais ou menos iluminados deste livro:

Sabes quais as etapas do processo a que vais ser submetido, os pormenores, como é que eles actuam.
- Sei exactamente.
- Pensas no futuro? Como será o regresso? O mesmo corpo, sim, ou um corpo aperfeiçoado, mas então e a mente? A consciência permanecerá intacta? Serás a mesma pessoa? Vais morrer como alguém com um certo nome e com toda a história e memória e mistério reunidos nessa pessoa e nesse nome. Mas acordas com tudo isso intacto? Será apenas uma longa noite de sono.

pág. 53


Não vais morrer antes de eles te congelarem o corpo? Há uma unidade especial. Zero K. Baseia-se na vontade do individuo de fazer um determinado tipo de transição para o nível seguinte. Por outras palavras, ajudam-te a morrer. Neste caso, porém, no teu caso, o individuo não está próximo da morte, nem de perto nem de longe.

pág. 114


Se pagarmos aos futuristas a sua maquia de assassinos a soldo eles tornarão possível vivermos para todo sempre. O casulo seria o derradeiro santuário das prerrogativas do meu pai.

pág. 119


O isolamento não é um retrocesso para aqueles que compreendem que o isolamento é o isolamento primordial.

pág. 127


Quando ele se juntar a ela, dentro de três anos ou dentro de treze, será que as nanoteconologias irão reduzir-lhe a idade?
E no momento em que os fizerem regressar à vida, seja lá quando for, no primeiro instante da sua vida terrena depois da morte, será que Artis vai ter vinte e cinco anos, vinte e sete, Ross trinta ou trinta um?

pág.145

Será que eles alguma vez ficam de pau feito, os mortos nos casulos? Sobressaltados por uma qualquer anomalia técnica, uma mudança nos níveis que gera uma espécie de zing a percorrer o corpo e leva as pichas deles a erguerem-se, todos os homens ao mesmo tempo, em todos os casulos.


pág. 147



Estava a pensar acerca do livre curso do passo a passo e do palavra a palavra que experimentamos lá no alto, lá longe, enquanto caminhamos e falamos debaixo do céu, enquanto nos besuntamos com bronzeador e concebemos filhos e nos vemos a envelhecer no espelho da casa de banho, ao lado da retrete onde evacuamos e do duche onde nos purificamos.


pág. 243


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Este texto reflecte uma perspectiva pessoal (um pouco enviesada) que tenho sobre o temática do livro e não uma crítica ao livro em si, porém sinto-me inteiramente grato pela leitura proporcionada.

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