Partimos de Lisboa com a confiança de que seria desta que fotografávamos o esquivo cortiçol-de-barriga-preta (Pterocles orientalis). Com o ar condicionado do carro a funcionar quando lhe dava na vontade, fomos audazes quando rompemos a membrana de calor que fustigava a cara, e de sorriso na estrada e com a bandeira portuguesa à janela, enfrentamos a tórrida tormenta. Poucos minutos de depois a geleira deixou de funcionar mas as bebidas continuavam frescas. Conduzimos em direcção a Reguengos de Monsaraz onde parámos para almoçar umas suculentas bochechas de porco preto, regadas com cerveja fresca para combater os 38 graus que derretiam a paisagem. O restaurante estava fresquinho e quase não apetecia sair de lá. Quando voltámos ao carro o choque térmico foi drástico mas encarámos o restante percurso até às margens do Alqueva com o mesmo sorriso de descobridor de terras em brasa.
Minutos depois parámos em Mourão para abastecer a dispensa de líquidos no único local aberto ao publico que resistiu a aridez do isolamento. Gostei de ouvir uma senhora octogenária a contar que o pai não a ensinará ler e por isso abdicava do comprovativo de compras do supermercado. A senhora saiu para o calor com mais rapidez de qualquer um de nós. O tempo que passa torna cada vez mais belas as árvores que nos ensinam, sem nos querer ensinar, com o luto da sua sombra. Depois disto encontrámo-nos com o nosso guia que nos levou à charca, entre Villa Nueva del Fresno e Mourão - entre duas terras e bandeiras irmãs.
Minutos depois parámos em Mourão para abastecer a dispensa de líquidos no único local aberto ao publico que resistiu a aridez do isolamento. Gostei de ouvir uma senhora octogenária a contar que o pai não a ensinará ler e por isso abdicava do comprovativo de compras do supermercado. A senhora saiu para o calor com mais rapidez de qualquer um de nós. O tempo que passa torna cada vez mais belas as árvores que nos ensinam, sem nos querer ensinar, com o luto da sua sombra. Depois disto encontrámo-nos com o nosso guia que nos levou à charca, entre Villa Nueva del Fresno e Mourão - entre duas terras e bandeiras irmãs.
Afinada a estratégia começamos por molhar os pézinhos e depois entrámos na lagoa.
Foi a minha primeira vez que vesti um facto de mergulho de 3 milímetros e não foi tarefa fácil mas é assim que se descobre onde temos que cortar nas nossas misérias adiposas. Já de fato de mergulho vestido, o calor era intenso e com esta segunda pele tão apertada só apetecia estar dentro água e assim foi. Entrámos no hidrohide e demos início a uma viagem de reconhecimento do local e de habituação ao novo disfarce aquático. As dimensões do lago perfaziam o tamanho de um campo de futebol, calcorreamos o perímetro sem perder o pé.
E eis que chegaram os primeiros passeriformes. Nas margens um bando enorme de pintarroxos refrescava-se enquanto as cotovias de poupa investigavam o que se escondia por debaixo das pedrinhas.
Infelizmente, do outro lado do lago, poisou um Milhafre-preto (Milvus-migrans) a mais de cem metros esta foi a fotografia possível.
Do outro lado da lagoa um mergulhão-pequeno (Tachybaptus ruficollis) brincava as escondidas.
Com o evoluir das horas chegaram os abelharucos (Merops apiaster) em voos rasantes pelas águas calmas.
Alguns sinais flutuavam na calmaria e quando olhámos para trás, no outro lado da lagoa, no meio da vegetação, aproximavam-se os cortiçois-de-barriga-preta (Pterocles orientalis).
Curiosamente deslocavam-se para o local onde os pintarroxos estavam a beber.
Dentro de água não havia tempo a perder, fiz dos pés leme e conduzi o hidrohide rapidamente para próximo da margem.
Antes que conseguisse chegar perto, os bichos saciaram a sua sede e debandaram. Eu fiquei a contemplar a cena. Mas não por muito tempo, uma vez que no ponto diametralmente oposto da lagoa, a acção em torno das margens era marcada por 3 aves bem disfarçadas por entre a vegetação.
Estava longe e ia perder muito tempo ao tentar aproximar-me. Por isso escolhi fazer um enquadramento que envolvesse o meio ambiente. Contudo era complicado focar os bichos por entre a vegetação cerrada. No final pontificou a paisagem e os reflexos dos seus habitantes escondidos.
No intervalos entre a espera e o ressurgimento, entretinha-me com as libelinhas que graciosamente poisavam na vegetação perto das margens, como é o caso desta Trithemis annulata.
O Orthetrum cancellatum parecia um atleta olímpico de salto com vara.
E o Orthetrum trinacria tentava manter o equilíbrio.
Enquanto a Ischnura graellsii deslizava entre as águas.
A luz caiu e nós fomos para a base descansar com a esperança de um novo dia cheio de revelações.
No segundo dia voltámos com a lição estudada e esperámos pelo regresso das aves.
Por entre a vegetação espreitou uma graça-boeira (Bubulcus ibis) nada espantada com os visitantes disfarçados de anfíbios experimentados.
Levantou-se uma nuvem de poeira num cavalgar em crescendo melodia a trote. A paz da lagoa foi interrompida pela invasão de um enorme rebanho de gado, tão sedento quanto e incontrolável, que depressa cercou as margens, sôfregos quase saltavam uns por cima dos outros na ânsia de chegar perto de água. O cerco das ovelhas não deixava de ser caricato, impávido permaneci dentro de água observando as manobras, entre o balir e o pó, muito pó...
Já a luz escasseava quando uma fêmea de cortiçol se aproximou para beber,
e assim fica registado este momento de sorte, espera, condensado num fio de luz.
Depois foi o regresso a casa com os olhos na estrada e nas histórias que embalam o sol.
Devido aos seus hábitos esquivos e crepusculares, estes bichos quase sempre passam despercebidos por entre a vegetação e como tal não são nada fáceis de observar ou fotografar. Por agora estas foram as fotografias possíveis. Hei-de voltar a tentar.
Deixo aqui uma palavra de agradecimento ao meu amigo destas maluqueiras José Frade e ao Alfonso Pérez del Barco e à Naturalqueva que tudo fizeram para que conseguíssemos melhores resultados.
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