quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O Fotógrafo Acidental



Para mim, o mês de Agosto é o mês ideal para visitar museus e espaços culturais livre do grande rebuliço e agitação das multidões. Assim, ainda não tinha finado o oitavo mês do ano e levado com ele todas os irremediáveis excessos de disparates e desgraças, já eu decidira que era desta que visitava a exposição: O Fotógrafo Acidental - Serialismo e Experimentação em Portugal, 1968-1980. 


Quando cheguei à Culturgest estava completamente fascinado pelo estímulo e pela absorção artística do espaço e deixei-me ir. E fui. Só reparei mais tarde que tinha começado pelo fim, ou seja, entrei pela saída da exposição. Acontece.


A primeira ala (última para os visitantes não tão distraídos como eu) apresentava grandes fotografias a preto e branco acompanhadas por telas azuis vazias - uma demonstração do quarto e cama de núpcias onde supostamente Julião Sarmento fora concebido e como tal o nascimento do artista.


Ainda sobre Julião Sarmento, foi na segunda sala onde me detive por mais tempo e regressei para uma segunda abordagem. Com o título "Life and death of small european birds" e "Don Juan Lord Byron" era-nos dado a observar composições fotográficas de árvores e jardins, como sendo possíveis habitats de várias espécies de aves. No topo da composição tínhamos uma foto de um eventual "ecossistema" e por baixo uma folha de um livro de ornitologia com a espécie da ave que habitava o aspecto conceptual daquelas paragens. Um autêntico roteiro ornitológico que percorre várias terras lusitanas no ano de 1976. As fotos eram acompanhadas por curiosos e improváveis textos que relatam o espanto de um corsário ao regressar de uma viagem e encontra o seu palácio numa enorme festa e a sua filha numa paixão ardente com um mancebo. Nesta sala só estou eu e de vez em quando, irrompe um eco vivo; há uma ave (mandarim) que canta numa gaiola de madeira abandonada no centro, ao mesmo tempo que ouvimos uma voz a declamar excertos do canto III do Don Juan de Lord Byron. Apreciei bastante a originalidade com que o artista mesclou os diferentes compostos literários e biológicos e desconstruiu os elementos vivos entre céus, árvores e aves.


Outra artista que despertou a minha curiosidade foi Helena Almeida com as séries: Sente-me, Ouve-me, Vê-me.


Na espectacular série "Ouve-me" (1979) somos confrontados com de 16 fotografias onde da boca os lábios são suturados por um fio "ilusório" e com o vagar do observador vão-se libertando da clausura dos silêncios que ficam entre palavras, conferindo-lhes um role de expressões que ficam para além de um abecedário de emoções. "Ouve-me", durante alguns minutos fico parado em frente àquela série de fotografias a saborear os meus lábios e os desenhos que eles tentam imitar naquela sequência de fotografias. Só que a minha boca não esta cosida por um fio imaginário, ou não será que está? Tantos são os silêncios que a sociedade nos obriga.


Nas outras salas da exposição também pude assistir a trabalhos de outros artistas como Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, Ernesto de Sousa, Fernando Calhau, Jorge Molder, José Barrias, Leonel Moura e Vítor Pomar, todos eles tendo em comum o aspecto da serialidade das suas obras, em que uma imagem isolada (por mais extraordinária que seja) não é suficiente para retratar uma sequência de movimentos sucessivos (às vezes quase invisíveis) num determinado espaço / tempo.


E ainda sobre "Ouve-me" de Helena Almeida, também eu de quando em vez, ponho a língua de fora na tentativa de libertar-me dos grilhões sociais que me fazem curvar ante do politicamente e socialmente correcto, com caretas das caretas e sorrisos dos sorrisos, às vezes tento timidamente ripostar. Da boca irrompem lábios provocadores, instigadores, às vezes cómicos, reparo que a uns escassos dois metros de mim: "liberdade, liberdade meu amor!" ouço eu dizer a uns estranhos que por ali, tal como eu, andavam arrebatados e perdidos à espera que a entrada e a saída fossem um instante de uma dimensão qualquer.













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