Em Setembro do ano passado viajei até Andorra com intuito de visitar os Pirenéus. O que retenho da viagem são imagens sonoras com histórias dentro que agora partilho.
A cordilheira dos Pirenéus serve de fronteira natural entre França e a Península Ibérica. No sopé da rocha surge Andorra; um principado voador e um pequeno grande país repleto de ambição e sentido nacional de pretensa. De Andorra guardo a memória das terras altas e das povoações invictas, inserida num vale claro de vistas amplas e desocupadas.
De quando em vez, na cidade de Andorra ouvia-se o linguajar luso, aqui e ali uma palavra em português, o que ajudava a desarmar um sorriso. As pessoas são particularmente simpáticas e comunicativas. As ruas cosmopolitas são autênticos centros comerciais. Tudo limpo, tudo arrumado, como se habitássemos uma gigante construção de lego, onde pontificam linhas estilizadas em busca da perfeita harmonia. À espreita de negócio, os olhares atentos dos vendedores das casas de electrodomésticos, regateavam esperanças a um preço quase, quase aceitável... O poder de compra é bem diferente do nosso (pelo menos do meu). A ausência de impostos traduz-se em preços mais acessíveis para uma carteira remediada. Por exemplo, o preço do gasóleo é astronomicamente mais barato. No frémito de uma cidade que vive do turismo e das estâncias de esqui desfilavam pelas avenidas mulheres bonitas com rostos felinos em dias de sol frio.
A vista para os apartamentos onde pernoitei.
Pelas alturas, no rebordo de um selo imaginário, percorri as estradas que me levavam até aos Pirenéus.
Enquanto subíamos os Pirenéus por estradas bem estimadas encontrámos povoações onde a esquadria e harmonia arquitectónica era extremamente cuidada, desde igrejas, restaurantes casas e ruas, sem lixo visível, onde nada era deixado ao acaso.
Uma tentativa (falhada) para fotografar cascatas, não tivesse deixado o tripé no carro...
A paisagem montanhosa era uma pintura viva, um quadro bucólico em constante mutação, um inacabado poema visual intransponível por palavras.
Subindo acima dos 2000 metros de altitude encontrarmos um casal de marmotas-alpinas (Marmota marmota) que emitiam um chamamento semelhante a um corvídeo.
Vários cruza-bicos (Loxia curvirostra) pousaram no topo de um pinheiro próximo de nós, certificando-se da nossas reais intenções.
Tal como esta pequena rã que teimava atravessar-se por entre passos inseguros.
Ainda acendi a lâmpada de vapor de mercúrio para ver que borboletas nocturnas eram atraídas pela luz a estas latitudes mas sem resultados significativos. Curiosamente foi numa incursão pela montanha que surgiram os exemplares mais curiosos.
Lysandra bellargus
Zygaena (transalpina) hippocrepidis
Agrius convolvuli
Percorridos os caminhos montanhosos dos Pirenéus, fomos tentar a nossa sorte num abrigo para fotografar aves necrofagas em Solsona. Sei que pode parecer estranho, contudo foram utilizados coelhos brancos (clinicamente tratados para o efeito) que serviram para atrair as aves necrofagas.
A carnificina começou segundos após a debandada do nosso guia E nós ficámos escondidos no abrigo com o dedo impacientemente pousado no máquina, à espera. As primeiras aves a descer foram os grifos com a chegada de um juvenil que ficou de vigia assistindo à descida sónica dos grifos mais velhos. O festim foi iniciado e os grifos atafulharam-se nos coelhos enquanto o grifo juvenil teve que respeitar a hierarquia e só depois dos outros se banquetearem teve direito a petiscar.
Num abrigo, um homem tem que estar atento e preparado para tudo. Há momentos irrepetíveis e que esfumam ao mínimo sinal de hesitação. Eu vi o quebra-ossos ao longe e pensei que ele fosse poisar. Porém a ave rondou, sobrevoou o local, e sem satisfazer a minha convinção, não aterrou. Para ajudar à festa, quando tentei fotografar o bicho em voo, a objectiva ficou presa na rede. O resultado é um esboço desfocado. um esquizo fraquinho da imponência desta ave necrofaga, extinta no nosso país desde o tempo de D. Carlos mas observável por estas terras espanholas. Quanto à fotografia... fica para a próxima.
Foram 12 horas dentro de um abrigo de madeira, podemos dizer que a prova de resistência foi superada. Valeu-nos as gargalhadas, a água e a bexiga apertada para enfrentar a espera e amplitude térmica.
Os ânimos ficaram mais exaltados na disputa pelo coelho branco.
Eis o que acontece quando um grifo tenta subir para cima do abrigo. O abrigo serve de poleiro.
Coube ao corvo exibir o troféu - a cabeça do coelho, um momento algo tétrico em homenagem a Edgar Allan Poe.
Corvo (Corvus corax)
Um jogo de diferença entre corvos e gralhas
Gralha-preta (Corvus corone)
De papo cheio as aves começaram a debandar, foi o que aconteceu a este corvídeo que zelosamente levava no bico um quinhão de carne para o jantar.
Há coisas que têm mais piada em filme...
Depois de tantas horas de viagem, por estradas de sol a pique, sem pregar olho, o coração continuava suspenso entre um grito adrenalina e a descoberta de novas geografias. Foi uma excelente viagem pelos encantos naturais dos Pirenéus. Sem dúvida. Um dia quero voltar e desta vez no inverno, para poder aquecer as mãos no frio do contentamento.
Agradecimentos:
Família Frade
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