sábado, 21 de dezembro de 2024

Conto de Natal - O colecionador de presépios

 

Uma vasta coleção de presépios, provenientes dos mais diversos cantos do mundo e concebidos com os mais variados materiais alegravam os seus olhos. Todos os anos elegia um conjunto de figurinhas para as festividades. No ano passado, o presépio eleito foi esculpido em osso, muito bem elaborado, até parecia que as estatuetas sorriam com as sombras. Todos os anos fazia pequenos embrulhos para oferecer a quem já não os podia receber. Junto ao presépio ele abria os presentes dirigidos aos mortos e rezava. Era uma forma de dar vida aos vários nomes com que batizava a solidão.

Nos primeiros dias de dezembro, de manhã cedo, dirigia-se a uma quinta abandonada onde enchia de musgo uma saca de serrapilheira. Ele sabia da importância do musgo para reter a água e prevenir a erosão do solo. Porém, as suas figuras do presépio precisavam de um local onde pudessem brilhar. Quando encontrou uma mancha de musgo prometedora, esgadanhou o solo e em pazadas cegas encheu a saca com grandes quantidades da plantinha verde, caruma, pinhas e tudo o mais que coubesse na boca apressada da pá. Certificou-se que ninguém o tinha visto e fugiu para casa. Fechou-se dentro de si e esperou pela sabedoria da noite.

A sala estava preparada para receber as personagens do presépio. Não havia lugar para uma árvore com uma estrela no topo, era um desperdício artificial de tempo. Por isso, apressou-se a forrar a tijoleira com um plástico para depois escolher e montar o cenário deste ano.

Foi buscar o musgo. Quando passava no corredor reparou em várias gotas que insinuavam um trilho. Acendeu a luz da dispensa e os seus maxilares estalaram de espanto. Tudo remexido, fora do lugar e da ordem das coisas. A saca estava furada, o musgo derramado, juntamente com os embrulhos esventrados. A dispensa fora violada. Aquele cheiro? A quem pertenceria aquelas gotas de urina?

Correu para a cozinha em busca de algo para imobilizar o intruso. O seu canivete digno de qualquer alentejano não impunha respeito suficiente. A pá que ainda continha restos de terra daria uma boa arma. Entrou na exígua dispensa e com muito cuidado removeu todos os sacos que estavam no chão. Nada. Olhou para as prateleiras que continham os presépios e os embrulhos e nisto ouviu um esgadanhar animal. Tocou em todos os sacos para que o intruso se pusesse a jeito de uma valente pazada. Silêncio.

Dirigiu-se ao seu quarto e retirou da escrivaninha uma lanterna com duas funções. Desligou a luz e acendeu a primeira função da lanterna. Um círculo de luz quente iluminou os seus passos. Depois ligou a segunda opção e um espectro de luz ultravioleta fez brilhar as gotas de urina. Dentro da dispensa apontou o feixe luminoso para as prateleiras. A caixa de presépio que continha a sagrada família dentro de uma rocha oca brilhava de azul-celeste. A caverna feita de geodo mineral refletia o espectro ultravioleta, enquanto um pequeno ouriço-cacheiro brincava de menino Jesus. Ele sorriu. A escolha estava feita.

 

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