Junto à nascente do rio Zêzere encontrei pedaços de gelo que aprisionavam folhas caídas construindo estranhas composições entre a água congelada e os restos florais. Primeiro atirei uma pedra e a pedra deslizou suavemente. Depois insisti com outra pedra, com mais força e convicção, e o calhau estilhaçou a camada de gelo. Resultante dessa acção cinética, entre o deslizar e o estilhaço, nasceu um quadro. Algo sem princípio nem fim, curvo e desconexo, formado por linhas perdidas que uniam folhas na ardósia de água gelada.
Achei piada aos esboços e motivado por um mau feitio descomunal, apeteceu-me continuar a desconjuntar aquilo tudo à pedrada. Partir o gelo desfazer as folhinhas outonais de uma vez por todas. Acabar com a pretensão artística dos acasos da natureza. E talvez com isso, compreender o movimento incógnito que debaixo da fina placa de água congelada, arrastou folhas demoradamente, sem pressa de esboçar qualquer significado verbal.
Uma mensagem? Eu sei que estou a ser pretensioso, hipnotizado por uma qualquer mania da conspiração. Contudo, será que aquele esquisso de incoerente traço, traria consigo uma mensagem? Não é assim nasce o belo e o feio? O sol vai para além do meio-dia. Agora assisto ao vagar do degelo e ao fim da obra. Espero que as fotografias derretam em esquecimento e desapareçam dos olhos que as viram nascer de um compósito aleatório congelado. Ainda tenho no meu bolso uma arma que sobrou. Seguro uma pedra sem que com ela consiga escrever o nome da terra que me amparou.
Sem comentários:
Enviar um comentário