Durante dias deambulei pelas ruas deste romance num duelo com um outro eu. Várias foram as vezes em que olhei para trás, desconfiado se não estaria a ser observado, seguido num registo persecutório por alguém muito parecido comigo e que teria como principal intuito, o roubo da personalidade e a humilhação da auto-estima - um gémeo usurpador. Um outro eu de altivez humilhante, tanto na fala como no comportamento. capaz de edificar um cerco às fraquezas existenciais que expiam os nossos erros.
Todos os dias em todos os locais, um duplo de duplicidade corrosiva; alguém que ocupa o nosso espaço, o nosso ecossistema de afectos, a nossa casa, o nosso trabalho, portando-se como uma autentica sanguessuga ao sorver as nossas expectativas emocionais e laborais, e ainda por cima a saracotear-se num tremendo gozo metódico e incisivo. A gozar o prato de um jogo de espelhos onde nos sentimos perdidos entre as miudezas e os falhanços do quotidiano. Foi isto que a personagem Goliádkin me deu a provar pela escrita brilhante de Fiódor Dostoiévski neste seu segundo romance.
" O senhor Goliádkin quis gritar mas não conseguiu; quis
protestar mas não teve forças. O cabelo pôs-se-lhe em pé, os joelhos
dobraram-se-lhe de terror. De resto tinha razões para tal. O senhor Goliádkin
reconheceu categoricamente o seu amigo noturno. O seu amigo noturno mais não era mais do que ele próprio – o próprio senhor Goliádkin, outro senhor Goliádkin, mas absolutamente igual a ele - numa palavra , o que se chama um duplo dele, em todos os sentidos "
pág 48
Uma dupla companhia
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