Oiço um chamamento clandestino a ecoar pela casa.
mais um passo e entro na câmara escura do quarto,
onde um animal fêmea queima os lençóis de prazer;
os seus longos dedos percorrem o interior das ancas num desejo eléctrico,
a acção decorre em camara lenta e os membros não parecem ter fim,
nem a massa corporal alguma vez terá principio reconhecível.
Não consigo identificar aquele corpo,
contudo, vejo as suas longas mãos a untarem as pernas com óleo de oiro
para depois subirem pelo rebordo burilado do umbigo
até à margem lateral do pequeno seio;
estético e bem feito, tal e qual a morfologia do que parece ser
um esboço fêmea desenhado no pó que voa,
dou mais dois passos e aproximo-me.
O ar rarefeito do quarto liberta o gemido das madeiras velhas,
na mesa-de-cabeceira antiga repousa uma garrafa e dois copos,
o animal fêmea vê-me encostado à porta e convida-me
com gesto rápido, à junção das bocas num beijo de absinto;
quando me sente próximo da cama, redopia duas vezes no seu ninho,
eu avanço.
No quarto está escuro, porém, mais escuro está dentro de mim.
tento o interceptar o prolongamento dos afectos que me são dirigidos
do animal fêmea apenas vejo o contorno dos lábios molhados,
e a electricidade que se prende aos cabelos
tudo isto faz parecer… um momento mulher.
Dou um último passo e quando tento esquecer-me onde estou e porque vim,
ao apagar a luz o interruptor eléctrico morde-me,
o fundo de um copo vazio nunca foi boa companhia.
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