na anca nua e voraz de pele ainda morena
a menina mandou fazer uma tatuagem de uma íbis pequena
mas a ave negra não se deixou aprisionar e escapou
dos poros da pele picotados a jacto de tinta num explosivo voo
a menina passou o verão a toque de espanto
e não satisfeita com tal desencanto
erigiu outra tatuagem no delta do umbigo
uma linda cegonha que ardia no ventre em quente castigo
mas a cegonha não teve vergonha e com o prenuncio do frio
bateu as asas e da pele da menina a cegonha fugiu
triste ficou a pequena que não sabia mais o que fazer
no mapa do corpo louco,
toda e qualquer tatuagem era uma miragem que tendia a desaparecer
o tempo passou e com ele veio a raiz da mudança
agora a menina inscreve na pele da vida
a tinta permanente o embalo de uma nova criança
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
a menina das tatuagens que voavam
domingo, 23 de outubro de 2011
Falco Naumanni
Passaram 101 anos após a catástrofe.
a atmosfera transformou-se num miasma irrespirável
obrigando os homens e os animais a uma grande debandada,
e com eles desapareceu a cadência da noite e dos dias
numa penumbra ácida sem sombras nem receios,
porque afinal;
não havia homens nem bichos dos quais pudéssemos ter medo,
só a sede e a seca fazia sangrar as últimas ervas daninhas.
Hoje, 101 anos depois,
um bando de sobreviventes cruzou o sol vermelho,
sobrevoando a planície deserta das terras inférteis
num planalto cinzelado,
lá de cima contemplam a ausência do toque humano
sem vestígios da história ou remorsos do tempo
como se fosse a primeira conquista dos que voltam
e a última descoberta dos que ficam
Se algum dia a humanidade entrar em vias extinção
passaremos a dar valor às ruínas e às casas abandonadas
das quais, um dia fizemos livros,
e outros mecanismos de contar sobrevivência.
domingo, 16 de outubro de 2011
Ciclo de entrevistas - "Pinturas com a boca" de Nuno Rodrigues
em todo o tempo infinito esperança.
Existem Super Heróis que não usam capa,
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Guarda-rios
a um Guarda-rios chamado Amélia
Amélia tão só Amélia, simplesmente um dia
chegava tarde sem que tarde fosse
ao lugar onde todos os nomes foram inventados
escritos, baptizados na negra pedra angular do rio
para que a força da corrente os levasse para longe
o nome que julgava seu
e assim noutros lugares a voz da maré repetiu
por toda a parte o nome que ninguém mais ouviu
apenas Amélia destino tão só um dia.
Noitibó-de-nuca-vermelha
Noitibó-de-nuca-vermelha/ Red-necked Nightjar / (Caprimulgus ruficollis), a photo by Sérgio Guerreiro on Flickr.
Em Évora,
depois de darmos uma dúzia de voltas de reconhecimento
pelo monte e pela casa cimeira que sustinha Vénus de cair
na garganta térrea, no vitral crepuscular que nos lava os olhos,
encontrámos os pequenos seres de que falavam os insectos amedrontados.
Os anjos nocturnos querem-se discretos, mas acima de tudo,
desejam passar despercebidos por entre o canto motor da noite,
onde confiamos tanto na camuflagem dos pecados
que quase pisamos as virtudes.
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Peter Murphy - Concerto em Lisboa - 02-10-2011
a Peter Murphy (Ulissipo, 2ª lua de Outubro negro, ano 11)
descalço, de voz sem igual,
a mesma pose imponente de sempre,
animal de pó de palco nocturno no adejar de braços que já foram asas
do tempo das capas negras
e dos vampiros em vermelho fragmentado quase água forte
como as coisas boas que aprendemos e não subtraímos o seu sabor
a minha voz sem fala, a minha alma sem dor (pelo menos daquelas)
que já vivi aqueles momentos
talvez numa outra vida dentro deste invólucro invisível
uma noite em tudo diferente de tantas outras
onde o fluxo sanguíneo foi invertido pelo mecanismo cardíaco das palavras novas,
memorial de sentimentos divergentes, cambiantes originais, matérias primordiais e memória.
nunca voltamos ao mesmo sitio e sentimos as mesmas coisas de forma igual;
como um livro que redescobrimos que não tem pontos finais,
quanto mais não seja, uma virgula de fala embargada,
e lemos o que fomos um dia:
aquilo que não voltaremos a ser, recordamos apenas,
a calda quente de uma noite em assobio lunar
vertigem, saudade, amor e fogo que não queima os dedos,
E no final, uma canção que não pertence a esta vida,
mas a outras vidas dentro e fora desta.
sábado, 1 de outubro de 2011
Abelharuco
Da chaise-longue despida de corpo na Ericeira
ela lembrou-se daqueles dias espreguiçados numa folha de calor:
dos cafés frios, dos gelados mornos, dos bolinhos da pastelaria matinal,
das correrias ao fim da tarde, dos sorrisos de nata queimados em juras,
da língua salgada da praia e dos corpos derretidos na falésia;
e de tudo o resto marginal que foi promessa breve
que não almejou ser desejo apenas queda da pele transparente.
Antes de fechar a porta das águas furtadas, poiso de férias,
ela enrolou o rosto num incógnito e multicolor turbante,
pegou nas malas cheias dos segredos que as saudades calam
e por fim, certificou-se que perdia a chave no local do costume.
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