terça-feira, 29 de abril de 2025

O apagão e a memória

 





(Às 11:33 o país apagou-se)


Junto à janela, o rádio a pilhas,

acompanhava as orações

da minha avó, de voz baixa, 

da alma para o dedo,

ao toque do terço de tantas missas.


(Não temos internet, nem telefone!)


A minha avó, era uma mulher sábia,

dona e senhora dos almanaques de borda de água,

sabia as novenas e o nome dos locotores,

de voz solene e radiofónica em onda curta

e quanto à apanha da azeitona, líder de crise da geada. 


(Península Ibérica sem eletricidade)


A minha avó não se deixava enganar 

com as previsões meteorológicas,

nem com as pantominices políticas,

o peixe chegava uma vez por semana,

a minha avó nunca andou de avião.


(11 horas sem eletricidade, país incomunicável)


O candeeiro a petróleo e a lareira amarela

albergavam gatos adormecidos na lenha seca,

as torradas, o café da manhã, e a tenaz viva 

removiam as cinzas e avivavam o fogo cansado,

lá fora, a necessidade roubava cor às rosas.


(O apagão não apaga a memória daqueles que já partiram)


 



Sem comentários:

Enviar um comentário

O apagão e a memória

  (Às 11:33 o país apagou-se) Junto à janela, o rádio a pilhas, acompanhava as orações da minha avó, de voz baixa,  da alma para o dedo, ao ...