terça-feira, 29 de abril de 2025

O apagão e a memória

 





(Às 11:33 o país apagou-se)


Junto à janela, o rádio a pilhas,

acompanhava as orações

da minha avó, de voz baixa, 

da alma para o dedo,

ao toque do terço de tantas missas.


(Não temos internet, nem telefone!)


A minha avó, era uma mulher sábia,

dona e senhora dos almanaques de borda de água,

sabia as novenas e o nome dos locotores,

de voz solene e radiofónica em onda curta

e quanto à apanha da azeitona, líder de crise da geada. 


(Península Ibérica sem eletricidade)


A minha avó não se deixava enganar 

com as previsões meteorológicas,

nem com as pantominices políticas,

o peixe chegava uma vez por semana,

a minha avó nunca andou de avião.


(11 horas sem eletricidade, país incomunicável)


O candeeiro a petróleo e a lareira amarela

albergavam gatos adormecidos na lenha seca,

as torradas, o café da manhã, e a tenaz viva 

removiam as cinzas e avivavam o fogo cansado,

lá fora, a necessidade roubava cor às rosas.


(O apagão não apaga a memória daqueles que já partiram)


 



terça-feira, 22 de abril de 2025

Apenas Francisco



O choro dorido dos sinos da igreja

anuncia a partida do Homem Bom,

entre Todos os outros, este respirava branco paz, 

sorriso desafiante de esperança e fé na humanidade.


este Homem rezou e pediu perdão por nós

e nós não aprendemos com a vergonha das guerras,

nem com os ensinamentos da história,

e entregámos a ordem do mundo a loucos.


Será que estamos orfãos de luz?

sente-se o sabor da lágrima na chuva,

um dia depois dos céus da Páscoa,

renasce das pedras livres, apenas Francisco!





domingo, 20 de abril de 2025

365 dias depois da tua partida






Um ano depois,

não houve dia que não rememorasse

as nossas voltas, os diálogos nocturnos,

a complicidade do olhar entre o café matinal.


Mãe, por aqui, as flores desafiam ritmos,

continuo a governar a vida,

às vezes sem vontade nenhuma, outras...

com a pressa de incendiar a boca com o teu nome.


Indelével, nada apaga a tua falta,

nem as paredes caiadas de novos alfabetos 

nem o piar mecânico do relógio de cama,

muito menos os comprimidos para adiar o desespero.


Hoje, na paz do cemitério, só se ouviam

as orações do vento e o cantar primaveril da saudade,

até que chegou uma senhora perto de mim e disse:

"Fique com Deus e boa Páscoa!"


humildemente retribui levantando-me deste chão.








O apagão e a memória

  (Às 11:33 o país apagou-se) Junto à janela, o rádio a pilhas, acompanhava as orações da minha avó, de voz baixa,  da alma para o dedo, ao ...