Estávamos em 1950 e para comer havia apenas uma sopa de água e um dente de alho ou um pão para quatro, era assim que a fome raiava em Portugal e o vento suão conduzia ao suicídio silencioso. Os meus pais já me tinham falado da pobreza destes anos, mas foi como um murro no estômago que fui confrontado com esta imagem de um país enlutado e com as enormes desigualdades sociais da época (ainda hoje). Portugal caminhava de costas estupidamente voltadas para o mundo, orgulhosamente sós, onde os ricos morriam ricos (não é que lhes valesse de muito) e os pobres pouco ou nada tinham para além da morte certa.
O Alentejo é retratado no filme de Sérgio Tréfaut como um deserto vigiado por sobreiros desolados e planícies sombrias, onde para sobreviver ao desemprego o contrabando era uma hipótese. Por outro lado, a revolta dos trabalhadores contra o poder dos senhores das grandes terras e da influência que tinham sobre a justiça e religião, catapultou este filme para um quase-western lusitano. O recorte dramático da fotografia a preto e branco é de um esplendor poético tornando por vezes desnecessária a palavra. As interpretações enaltecem a carga dramática do argumento, conferindo aos rostos e às suas sombras uma beleza heróica. Por sua vez, a banda sonora é composta pelo intemporal e distinto cante alentejano. Esta é uma história que não resultava a cores; porque é uma narrativa negra como a fome ou como o triste fado de um menino que perdeu a sua mãe. Assim foi Portugal.
"Os pobres nascem pobres e os ricos nascem ricos"
A Raiva, um filme de Sérgio Tréfaut | 2017, 85´, ficção
Adaptação de «Seara de Vento», de Manuel da Fonseca.
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