Setembro 2014
Engoli em seco quando olhei para o gigantesco animal rochoso que se elevava na neblina, ditando a bel-prazer os caprichos do tempo e da pedra. Aceitei o convite da montanha para conhecer os seus recantos e foi assim que entrei no teleférico confiante da sua insuspeita aparência.
A subida começou.
Enquanto a cabine ascendia suspensa por dois cabos, outra descia contrabalançando as esperanças dos seus viajantes. Com o aumentar da altitude, sustive a respiração e espreitei de soslaio por uma janela. Lá em baixo tudo era tão pequenino: as casas, os carros, as pessoas, um autêntico mundo em miniatura prestes a transformar-se numa microscópica civilização. Em pouco mais de quatro minutos a viagem fez-se a pique, num fôlego rápido, sem que sentisse o chão a fugir por entre a sola dos sapatos e as nuvens tão perto dos olhos. Para acalmar um certo nervosismo, dei comigo a falar pelos cotovelos tentando assim esquecer vertigens e outras fobias.
Quando o teleférico chegou ao seu destino, por entre os viajantes rasgaram-se sorrisos de indisfarçável contentamento por atingir terra firme. Lá estava eu em bico de pés, a 1823 metros de altitude e mais uns centímetros de curiosidade, a contemplar a paisagem de montanha. Sem frio nem vento que me desse as boas vindas, cheguei aos Picos de Europa com alguma luz. A paisagem de montanha era imponente por entre a parca vegetação, sendo possível ver um pouco de neve no topo do maciço central envolta num abraço de nevoeiro.
O resto do percurso foi feito a caminhar por cima de pedras, evitando algumas quedas mais aparatosas, medindo com cuidado cada passo ante as armadilhas do terreno.
4 minutos sempre a subir
No mirador da Fuente Dé, as nuvens ali tão perto.
Os grifos e as gralhas de bico-amarelo fazem o seu ninho nas escarpas do maciço central dos Picos de Europa.
Desce o nevoeiro na altitude que os olhos conseguem alcançar.
Aquando da volta do sol as nuvens traçam o rasto lunar da paisagem.
Era um pontinho no meio da imensidão montanhosa quando ao longe surgiu a visão da Camurça (Rupicapra rupicapra), com algum esforço, talvez se consiga ainda descobrir na fotografia o que estaria ela a comer.
No início da caminhada as borboletas Lysandra coridon poisavam sobre uma pedra esculpida pelo cupido
E as flores da manhã eram cobertas por pérolas de orvalho.
Enquanto outra borboleta nocturna Setina flavicans brilhava na aridez do silêncio montanhoso.
A Ferreirinha-alpina (Prunella collaris) espreitou confiante para ver o que tanto fotografavam estes visitantes.
Depois de caminhos sinuosos onde a queda era mais que provável, eis que surge a surpreendente ave que há muito ansiava observar: A Trepadeira-dos-muros (Tichodroma muraria)
Esta pequena trepadeira não parava quieta, de um lado para outro, escondendo-se do olhar mais intruso à sua tranquilidade.
Mesmo de costas e com o vento a desarranjar tão composto traje, é incomparável a sua beleza e a singularidade do seu voo. O próximo artigo deste blogue artigo será exclusivamente dedicado a esta inquieta trepa-fragas.
Por seu turno, a Gralha-de-bico-amarelo (Pyrrhocorax graculus) não se incomodava com a presença humana.
Sempre atenta ao que o homem mais distraído poderia deixar para ela comer.
Voando em bandos para os locais onde se encontravam um maior número de pessoas.
Com aparecimento do sol juntaram-se aproximadamente quinze gralhas nas imediações do teleférico, à espera da boa vontade dos turistas e das suas gulosas benesses.
Mais para interior da montanha avistavam-se rebanhos que cumpriam o seu destino em busca da escassa verdura.
Seguidos de perto pelo olhar atento dos grifos que planavam por cima das nossas cabeças.
Por entre a névoa e a pedra espreitava sempre um bicho que me recordava o caminho.
De regresso à base, a descida pelo teleférico foi suave e tranquila, ainda cheguei a tempo para observar este Esquilo-vermelho (Sciurus vulgaris) numa atarefada corrida em saltos de boca cheia.
Um dia hei-de voltar a percorrer as mãos generosas desta montanha. Até lá fica a saudade feliz.
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