sábado, 16 de novembro de 2024

Raposa-orelhuda ou raposa-orelhas-de-morcego? Para mim raposa com orelhas de abano.



Ainda o sol  lavava o rosto com areia vermelha, já em Samburu, Quênia, o calor tornava-se impiedoso para todos os bichos. A sombra dos arbustos era um verdadeiro  achado no meio de uma vegetação rasteira. Não fossem as suas orelhas estrondosamente grandes, quase passava despercebida esta raposa-orelhuda Otocyon megalotis, quando passou por ela um jipe com humanos incautos. É uma pequena raposa com apenas 45 centímetros, incluindo a cauda, pesando cerca de 3 quilos, exibe as suas orelhas de abano com a função de termorregulação, distribuído o calor pelo corpo, servindo também de radar na localizando das suas presas. Eram 5 raposas e nós 5  espantalhos sortudos em cima de um tronco com 4 rodas.










sábado, 9 de novembro de 2024

Leitura Portátil: Juan Rulfo - Pedro Páramo

 



Este foi o primeiro livro que li depois da partida da minha Mãe. Companheiro de horas solitárias, passadas na sombra, na sabedoria das árvores, no sono confuso das primeiras horas do metropolitano, ou na espera que uma tempestade deixasse um aeroporto em paz. Um pequenino livro, um gigante complexo. Li pouco em casa porque dói-me muito estar aqui, dentro da membrana desta lágrima. Estas são também as paredes de um livro com uma dor em comum, a perda e a ausência de respostas para essa falta. 

Não é um livro fácil, mas é um livro único. As constantes vozes que surgem de forma inesperada alertam-nos para acontecimentos que mais à frente iremos entender, (ou não) e apelam a uma releitura atenta. Várias vezes reli as páginas anteriores para entrar no ritmo, porém nem sempre resultou e por vezes senti-me ainda mais perdido. O realismo mágico dos mortos enterrados na aldeia e os seus diálogos, elevam esta obra a um patamar de ficção fantasmagórica.  

Tudo começa quando no leito de morte, a mãe do narrador pede que procure o paradeiro do seu pai Pedro Páramo, numa pequena aldeia mexicana chamada de Comala. Um local deserto, quente e árido, onde o mesmo inicia a busca pelo seu pai, ouvindo relatos sobre o homem mais poderoso e com mais influência naquelas paragens. Depois entram histórias dentro de histórias. Jogos de influências, chantagens e mortes deixando-nos atordoados e sem saber que livro temos nas mãos. Será este o mesmo livro que comecei a ler? Por certo que sim. Mas ainda não sabes onde isto te vai levar. O que é bom!

Respiramos pó num ambiente ressequido que nos mirra a boca. De página em página vasculhamos um labirinto intencional de equívocos. Para encontrar respostas (nunca definitivas) vamos ter que voltar e escavar com as mãos a história para nos perdermos novamente... Qual vida qual carapuça! 

E Juan Rulfo escreveu:

" Aquilo está sobre as brasas da Terra, na própria boca do Inferno. Basta dizer-lhe que muitos dos que lá morrem, quando chegam ao Inferno, regressam em busca do seu agasalho. “




quinta-feira, 31 de outubro de 2024

o espinho

 

o corpo da madrugada 

incendeia o suor 

das bocas ao toque

no óxido das gaiolas 


as nuvens libertam-se

do céu enferrujado 

e as aves beijam-se

uma última vez


esqueci-me de te dizer:

as chaves orfãs de casa

estão guardadas no coração 

da porta - junto ao cacto centenário


quando entrares

não faças barulho

cuidado com os espinhos

a morte morreu.



quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Ontem na Damaia

 

pela goela do bairro 

resvalam tiros 

ardem autocarros 

queimam-se luas


caem fogueiras na rua 

a morte é sequestrada

quando a razão não tem cor

a vida é una.




domingo, 20 de outubro de 2024

6 meses depois da tua partida

 


a lágrima percorre a raiz

na palma da mão

desenha a curva 

perfeita das tuas iniciais. 


pergunto a Deus

o que fez de ti?

para além de minha Mãe forte 

meu eu incompleto.



sábado, 19 de outubro de 2024

O enganado

 


Não volto a adiar a alma do vinho

Abro uma garrafa agora mesmo!

Não volto a ter medo de começo

mesmo que persinta que vou sangrar no fim.

 

Libertarei todas as lágrimas incomodas e matreiras 

sempre que me apetecer, esteja onde estiver,

e abrirei as janelas do riso em uivo ou gargalhada 

mesmo tendo a boca inchada com crostas de sal.

 

Digo e repito: amo-te! talvez com a mesma facilidade

com que chego aos pés com os dedos das mãos,

criticarei os actos alheios sem pejo da circunstância

com a mesma inocência de uma criança reguila.

 

Rapo o cabelo, pinto a barba, darei azo a todos os devaneios

na urgência com que beijo este espelho partido,

esperando que alguém do outro lado me estremeça,

ou me leve para a terra "do que não fui capaz de fazer"

 

Se tiver que ser, que seja de pé, com amor.

não volto a contar as balas de um velho revolver,

ou remediar as solas dos sapatos antevendo pedradas nas costas

sabes de uma coisa? 

 

A última vez que a morte passou por estes lados

não fez parcimónia nem poupanças.


sábado, 7 de setembro de 2024

Quando a terra chamou

 




Dormia sob o respaldo dos antidepressivos

quando um tremor sacudiu a cabeça da cama,

enleou-se nos meus pés com a força das algas vivas,

segredando-me espasmos em forma de nome.

 

só podias ser tu a chamar-me;

de punhos agrilhoados ao lençol gritei: "já vou Mãe!"

a tua ausência física saturou o ar de prata espectral,

sei que estás aqui mesmo que não te veja no vidro solar.

 

pela fisga do subterrâneo o prédio desviou-se do eixo,

das pulsações da cama o quarto pequeno mais prisão ficou,  

sem saber a quem pertenço ouvi a terra gritar dores maiores;

disse e repeti: "Mãe estou aqui!"

 

em segundos tudo se moveu mais do que em 50 anos

redigidos em montes, serras e cidades subaquáticas;

desta vida pouco levo e os recibos que vou passando 

 continuam a ter a tua assinatura.




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Sismo sentido em Portugal dia 26 de agosto de 2024, pelas 05:11 da manhã, com 5.3 de magnitude, sendo o epicentro a 8 quilómetros a oeste de Sines.




Raposa-orelhuda ou raposa-orelhas-de-morcego? Para mim raposa com orelhas de abano.

Ainda o sol  lavava o rosto com areia vermelha, já em Samburu, Quênia, o calor tornava-se impiedoso para todos os bichos. A sombra dos arbus...